Usos Alegóricos

Considerações acerca dos usos preponderantemente alegóricos da linguagem

Quanto aos usos da linguagem

 

1º Movimento

O QUADRO A1 - “Quadro dos desempenhos percentuais das crianças em todos os itens da prova em que são feitos USOS ALEGÓRICOS DA LINGUAGEM” - apresenta os desempenhos percentuais médios das crianças em cada um dos 18 itens da prova em que são feitos usos alegóricos simples da linguagem (apenas nos textos) ou usos alegóricos compostos (em textos e comandos).

Em todos os itens desse quadro, se faz um uso alegórico da linguagem nos textos e, portanto, um uso simples. Apenas em 03 itens (C1T1c; C1T1d; C2T7b) esse uso (alegórico) também é feito no comando, e dizemos que o uso é composto. Considerando os desempenhos dos estudantes, podemos observar que eles apresentam menores índices nos 11 itens em que se faz uso simples da linguagem (nos textos). Então, poderíamos pensar que quando temos um uso composto (texto e comando)temos maior facilidade para os alunos?

É possível que sim. A um texto cujo uso da linguagem é preponderantemente alegórico soma-se uma solicitação de resposta do estudante em que o uso é semelhante, o que impõe a necessidade de se considerar em maior grau aspectos que remetem à subjetividade dos estudantes; aspectos que dão maior abertura às possibilidades de respostas, o que leva a uma maior flexibilização do gabarito que orientará a correção.

 

2º. Movimento

Uma visão panorâmica sobre o desempenho médio das crianças apresentado nesses 18 itens do QUADRO A1 aponta, de imediato, para dois aspectos, considerando o universo de respostasadequadas:

  1. Que apenas 07 itens apresentam índices percentuais de acertos acima de uma linha imaginária de 50%. São eles: C1T1b – 52,3%; C1T1c - 81,6%; C1T1d – 65,6%; C2T2a – 52,3%; C2T2e - 64,3%; C2T3e – 56,1%; C2T7b – 85,3%);
  2. Que 11 itens variam de 11,1% a 47,9% (C1T1a – 32,7%; C2Tb – 46,0%; C2T2c – 16,8%; C2T2d – 11,1%; C2T3a – 42,9%; C2T3b 47, 0%–; C2T3c – 25,7%; C2T3d – 40,3%; C2T4e – 27,8%; C2T6b – 41,9%; C2T7a – 22,3% ).

Um desempenho que se apresenta como insatisfatório, pois na maioria dos 18 itens ele está abaixo da média. E, também, um desempenho cujos índices são muito variáveis entre si. O quadro apresenta os seguintes valores opostos e que ocupam as extremidades: o maior acerto ocorre no item C1T1c, sendo de 81,6%, e o menor acerto está no item C2T2d, sendo de 11,1%. Portanto, um desempenho oscilante e diversificado e que não nos permite pensar que há maior ou menor dificuldade, de forma homogênea, quanto a esse uso da linguagem.

Se considerarmos agora o universo ampliado de respostas (adequadas e parcialmente adequadas), esta primeira situação se altera?

Sim. E se altera de forma significativa, pois dos 18 itens, apenas dois situam-se abaixo de 50%, tanto no universo restrito, quanto no ampliado. Isto pode indicar que o gabarito para este uso da linguagem, no quesito de respostas “parcialmente adequadas” tenha acolhido, intencionalmente, uma gama variada e flexível de respostas. Foram considerados parcialmente adequados aqueles enunciados que apontavam de forma potente para a resposta adequada. Com isso, flexibilizou-se a polarização habitual entre o certo e o errado.

 

3º. Movimento

Dos 07 itens cujos índices localizam-se acima da linha imaginária de 50%, 03 deles (C1T1b – 52,3%; C1T1c - 81,6%; C1T1d – 65,6%)estão ligados a um mesmo texto, que é o C1T1. O que isto pode dizer?

A princípio, poderíamos pensar que este texto (o C1T1) ofereceu maior facilidade para os alunos do que os demais; afinal de contas, um dos maiores índices do QUADRO A1 se liga a ele (C1T1c - 81,6%). No entanto, a ele também se liga um desempenho pequeno (C1T1a - 32,7%). Se o texto significasse uma facilidade para a totalidade dos alunos, não teríamos indicadores tão distintos.

Poderíamos também pensar que sua posição na prova (primeiro texto do primeiro caderno) explicaria um desempenho mais satisfatório? Que, naquele momento,os estudantes estariam mais dispostos para enfrentar os desafios de uma prova?

Pensamos que não, porque logo em seu primeiro item, o desempenho alcançado ficou abaixo de 50% (C1T1a - 32,7%). E se o compararmos com o desempenho obtido no último item do último textodo Caderno 2 da prova (C2T7b – 85,3%),a posição parece não ser mesmo um fator de explicação.

 

4º. Movimento

Quando olhamos para a primeira coluna à esquerda do QUADRO A1, relativa aos usos da linguagem nos textos/comandos, notamos que embora todos os textos sejam classificados como preponderantemente alegóricos, em uma aparente homogeneidade, cada um deles combina-se também com outros usos da linguagem numa rica diversidade, como, por exemplo: em (C2T7b) enquanto o texto está classificado como sendo alegórico/imagético/descritivo, o comando é alegórico/verbal/informativo. Os usos conjugados ou combinados indicam que uma classificação parece não esgotar todas as possibilidades e sinaliza para as “nuances” que uma combinação traz e que pode distingui-la das demais.

Recorrendo apenas a essa coluna do QUADRO A1, podemos fazer também uma primeira distinção entre os textos: texto verbal (C1T1a; C1T1b; C1T1c; C1T1d; C2T2a; C2-T2b; C2T2c; C2T2d; C2T2e; C2T3a; C2T3b; C2T3c; C2T3d; C2T3e) e texto imagético (C2T4e; C2T6b; C2T7b).

O desempenho dos estudantes no texto verbal e no texto imagético seria distinto?

Não. Mesmo considerando que há uma diferença expressiva na quantidade de itens entre aqueles imagéticos e os verbais (14 X 4), podemos afirmar que há desempenho satisfatório e não satisfatório, tanto em um quanto em outro. No conjunto definido como alegórico verbal, temos o desempenho satisfatório, por exemplo, em C1T1c (81,6%); e insatisfatório em C2T2d (11,1%). O mesmo ocorre com os itens categorizados como alegóricos imagéticos, como por exemplo, o desempenho satisfatório em C2T7b (85,3%)e insatisfatório em C2T7a (22,3%).

Tais considerações nos permitem afirmar que o desempenho acima ou abaixo da linha imaginária de 50% encontra-se tanto nos textos alegóricos verbais quanto nos alegóricos imagéticos. Não podemos afirmar que um determinado tipo de texto (imagético ou verbal) ofereça maior ou menor facilidade para os estudantes. Com isso, interroga-se uma crença que parece estar disseminada e consolidada em nossa sociedade.

Uma segunda distinção é que nesse quadro todos os textos verbais são narrativos (C1T1a; C1T1b; C1T1c; C1T1d; C2T2a; C2T2b; C2T2c; C2T2d; C2T2e; C2T3a; C2T3b; C2T3c; C2T3d; C2T3e) e todos os textos imagéticos são descritivos (C2T4e; C2T6b; C2T7a; C2T7b).

Se o desempenho dos estudantes não é maior ou menor em relação à natureza dos textos (imagéticos ou verbais), conforme pudemos constatar acima, nós poderíamos pensar numa distinção do desempenho em relação ao tipo (narrativo ou descritivo)? É temerário comparar o desempenho obtido em quantidades tão distintas de itens. Portanto, essa comparação não nos parece possível. Mas podemos constatar que entre os textos verbais há uma significativa oscilação quanto ao desempenho e o mesmo ocorre com os textos imagéticos. Repete-se, então, a mesma situação já verificada anteriormente.

Em relação aos textos, os comandos apresentam uma diversidade muito mais acentuada de usos da linguagem em múltiplas combinações: a) os textos classificados como inequívocos combinam-se com uma classificação em descritivo (C1T1a) e classificatório (C1T1b); b) os textos classificados em alegóricos combinam-se com uma classificação em informativo (C2T7b) e descritivo(C1T1c; C1T1d); c) os textos classificados como NN combinam-se com uma classificação em explicativo (C2T2b), informativo (C2T2a; C2T2c; C2Td; C2T3a; C2T3b),opinativo (C2T2e; C2T3 e C2T6b; C2T7a) e descritivo (C2T3c; C2T3d; C2T4e).

É comum ouvirmos dos professores ou identificarmos em atividades propostas nos livros didáticos adefesa da importância de se oferecer diferentes tipos de textosaos alunos. Dessa diversidade fazem parte o texto verbal e o texto em imagens, assim como o texto narrativo, informativo e descritivo.

Mas não é possível afirmar- observando a diversidade de combinações propostas pelos comandos dos itens desse quadro – que uma ou outra dessas combinações recebe um desempenho maior. Se isolarmos, por exemplo, os comandos que em sua combinação contêm o gênero “descritivo”, poderemos verificar que o desempenho dos estudantes oscila entre 27,8% (C2T4e)e 81,6% (C1T1c).

Essa oscilação entre os índices obtidos numa mesma combinação e entre as diversas combinações propostas nesse quadro parece apontar para a ideia de que não só os textos, mas também os comandos, quando tomados isoladamente, ou seja, apenas do ponto de vista dos usos da linguagem, não correspondem a este ou àquele desempenho.

Parece que a aprendizagem de certo gênero de textos, eleito a partir de uma determinada tipologia, não garante bom desempenho em toda e qualquer situação de comunicação. Trata-se de um conhecimento que não é possível ser transferido ou aplicado de forma automática e para além das condições de produção que configuram as situações comunicativas em que se inserem os interlocutores.

A unidade de sentido seja ela letra, palavra ou texto, não carrega em si mesma sua significação. Esta resulta das práticas de leitura e de escrita que são movimentadas pelo jogo da linguagem estabelecido em determinadas situações de enunciação.

Tentar uma correspondência entre o desempenho dos estudantes e este ou aquele gênero de linguagem nos parece, portanto, uma impossibilidade. Ajuda-nos a questionar um modo de trabalho com a linguagem na escola, que se estabelece pelo ensino de uma tipologia de gêneros ou de textos, em que seu uso se dá de modo independente das situações de comunicação, em que esses usos são colocados em movimento e em tensão e em suas inúmeras nuances de significação.

 

Quanto às práticas e campos de atividade humana

Na segunda coluna da esquerda para a direita do QUADRO A1, para cada item da prova em que se faz uso alegórico simples ou composto da linguagem, são destacadas as práticas culturais (PR) referidas nos textos e comandos e os respectivos Campos de Atividade Humana (CAH) em que são encenadas.

 

1º. Movimento

Essa coluna nos informa que das 27 práticas referidas na prova como um todo, 08 delas estão neste quadro e se ligam a dois dos três eixos de práticas presentes na prova como um todo: PUET e PGPGH.

Ligadas ao primeiro eixo, temos as práticas de deslocamento espacial (C1T1a; C1T1b); visualização espacial (C1T1c; C1T1d); cuidado com o outro (C2T2a);  exploração do trabalho (C2T2b; C2T2c); prática da apelidação (C2T2d; C2T2e); prática de alimentação (C2T3a; C2T3b).

Ligadas ao segundo eixo, temos as práticas de alimentação (C2T3c; C2T3d; C2T3e); prática da apreciação estética (C2T4e; C2T7b); prática do futebol (C2T6b; C2T7a).

Se compararmos os desempenhos dos estudantes em relação a esses dois eixos, econsiderando apenas as respostas adequadas, podemos dizer que ambos oferecem tanto o alto índice de acertos (PGPGH-C2T7b com 85,3%; PUET - C1T1c com 81,6%), como também o menor (PGPGH - C2T2d com 11,1% -; PUET - C2T7a com 22,3%).

Se tomarmos o conjunto de práticas do quadro, podemos afirmar que o desempenho é bastante diversificado, percorrendo todas as casas decimais. E, se compararmos os índices no interior de uma mesma prática, como a de alimentação, podemos afirmar quetemos uma variação que vai de 11,1,% a 56,1%, considerando apenas as  respostas adequadas.

Esta oscilação entre os índices ligados tanto aos dois eixos como as 08 diferentes práticas que os compõem - tomados isoladamente em relação às outras variáveis que compõem cada item da questão - não nos oferece qualquer possibilidade para afirmar que um eixo ou uma prática específica permite um melhor ou pior desempenho

 

2º. Movimento

Na segunda coluna do quadro A1, além das práticas ligadas a cada item da prova, temos 05 diferentes contextos de atividade humana, em que estão demarcadas: navegação aérea (C1T1a; C1T1b; C1T1c; C1T1d); exploração no trabalho (C2T2b; C2T2c; C2T2d; C2T2e); gestão do lixo urbano (C2T3a; C2T3b; C2T3c; C2T3d; C2T3e); ciclismo (C2T4e); desportivo (C2T6b; C2T7a; C2T7b).

Se olharmos para o desempenho dos estudantes focando apenas os contextos de atividade humana com o qual cada item da prova foi identificado, podemos dizer que: o maior índice está no contexto desportivo (C2T7b - 85,3%) e o menor no contexto da exploração no trabalho (C2T2d–11,1%). No entanto, quando comparamos todos os itens ligados a esses dois contextos, no que diz respeito às respostas consideradas adequadas, constatamos significativa variedade entre eles: a) contexto desportivo (C2T6b com 41,9%; C2T7a com 22,3%; C2T7b com 85,3%; b) contexto da exploração no trabalho C2T2a com 52,3%; C2T2b com 46,0; C2T2c com 16,8; C2T2d com 11,1%; C2T2e com 64,3%.Concluímos, então, que dois contextos (desportivo e exploração do trabalho) não apenas trazem o maior e o menor índice de desempenho, como apresentam uma expressiva variação, o que também pode ser constatado nos demais contextos. Isto não nos permite considerar que esta variável tomada isoladamente das demais (usos da linguagem e práticas) seja, portanto, determinante do resultado.

O QUADRO A1 apresenta grande oscilação no desempenho dos estudantes nos 18 itens que o compõem. O desempenho parece distribuir-se por todas as casas decimais: 10%; 20%; 30%; 40%; 50%; 60%; 70%,80%. O que pode dizer essa grande oscilação? Será que a variedade das combinações propostas, entre usos da linguagem, práticas e contextos de atividade humana, à qual parece corresponder a variedade dos resultados obtidos, não é indicativa das dificuldades dos estudantes situarem-se de forma adequada nos diferentes jogos que estão sendo propostos?

Até este momento, fizemos considerações sobre os desempenhos do Quadro A1 buscando uma correspondência direta entre esses desempenhos médios relativos a cada item, cruzando-os com cada um dos descritores (usos da linguagem em textos e comandos, práticas e contextos), isoladamente. Constatamos que nos desempenhos médios percentuais obtidos pelos estudantes, há uma grande variação, que se entende de 11,1% (menor índice) a 85,6% (maior índice). 

Trata-se também de uma variação em que o desempenho obtido não pode ser vinculado a este ou àquele uso específico da linguagem, a esta ou àquela prática particular, a este ou àquele contexto da atividade humana. Trata-se, ainda, de uma variação que se faz presente no interior de cada um dos descritores.

Então, como interpretar os dados e índices que o quadro A1 nos apresenta?

 

Quanto aos usos da linguagem, práticas e campos de atividade humana, conjuntamente

Tomando o QUADRO A1, é possível realizar uma leitura em perspectiva horizontal. Essa é uma forma de análise em que cada uma das médias de desempenho, correspondente a cada item, precisa ser compreendida e interpretada como resultante do jogo formado pela combinação de todos os elementos referidos na situação – uso da linguagem, práticas e contextos de atividade humana. Cada um desses jogos coloca em movimento práticas, formas de conhecimento e configurações da linguagem. As respostas dos estudantes a cada um dos jogos se originam do modo como leem, compreendem e se inserem em cada um deles. Cada uma delas foi interpretada pelos corretores como sendo mais ou menos próxima ou distante do que o gabarito considerou como resposta adequada.

Trata-se, também, de um jogo que é situado, isto é, que se enraíza num conjunto de condições que se fazem presentes em sua produção e que o constituem. Um jogo proposto como prova, em situação escolar, no qual o estudante ocupa determinado lugar, e é de seu interior que se espera que se manifeste.

 

1º Jogo – Um caso de maior êxito -  C2T7b.

Este é o item de maior êxito em todo o quadro, e que aglutina os itens em que foi feito um uso alegórico da linguagem. Considerando as respostas adequadas, podemos observar os valores de 85,6% (universo restrito) e 74,9% (universo ampliado). Se considerarmos também as respostas parcialmente adequadas, essas porcentagens são ampliadas numa proporção de cerca de 6%, respectivamente.

Os objetivos para este item foram descritos da seguinte forma: a) “(...) verificar como os alunos significam um comando verbal que solicita uso informativo da linguagem com base em um texto em que se faz uso alegórico/imagético/descritivo”; b) “verificar como os alunos significam a prática de apreciação estética no contexto  desportivo  (futebol).”

O texto deste item, uma reprodução da tela pintada por Helena Santos Coelho, foi definido como sendo: alegórico/imagético/descritivo. O aluno foi desafiado pelo comando (alegórico/verbal/informativo) a dar um nome a ele. Trata-se de uma prática de apreciação estética referente a um assunto (futebol)próprio do contexto desportivo.

O item (C2T7b) era o último de toda a prova. Podemos pensar que, ao final de uma avaliação dissertativa, com 55 itens, ocupando dois dias consecutivos de aula, os estudantes poderiam estar cansados e isso contaminaria seu desempenho. Entretanto, o excelente índice obtido pela maioria afasta essa possibilidade.

Logo abaixo deste item, encontram-se as referências dos textos e imagens utilizadas em toda a prova. Dentre elas, aquela referente ao item C2T7b: “Futebol na favela” (2009)- Óleo sobre tela, 65 X 81 cm- Helena dos Santos Coelho (...)”.

O êxito alcançado pela maioria dos estudantes poderia ter sido facilitado pela presença dessas informações nas referências?

Esta é uma possibilidade. O que sabemos, com certeza, é que as respostas adequadas e parcialmente adequadas se aproximaram do título da obra, sem, porém, copiá-lo simplesmente.

Outra possibilidade para este êxito pode ser considerada no caso dos estudantes terem respeitado a sequência dos itens. O item C2T7b vem antecipado por um item anterior (C2T7a), que pede aos estudantes a descrição e explicação de como o futebol está sendo praticado na tela (de Helena), comparando-a com outra, de autoria de Candido Portinari (C2T6b). Este último item traz em seu comando o título da tela: “Futebol” e representa também um futebol acontecendo no chão de terra batido, com “crianças” se movimentando em torno de uma bola. Em volta, bichos domésticos, uma cruz, um pequeno “cemitério”, um pouco de verde.

Sendo assim, caso os alunos tivessem respeitado a ordem dos itens, a resposta ao C2T7b – nomear a tela – poderia estar altamente “controlada” por um conjunto de operações envolvendo a comparação entre dois textos alegóricos imagéticos (telas de Portinari e de Santos Coelho), bem como a leitura de vários comandos orientados por usos verbais da linguagem de natureza distinta (descritivo; informativo; opinativo), vinculados às práticas do futebol e de apreciação estética e ao contexto desportivo.

Essa espécie de cadeia estabelece uma interdependência entre itens, de modo que a resposta a um deles, entre eles o item C2T7b, pode envolver a apreciação de outro(s).

O comando do item - curto e direto - exigia que o leitor se voltasse para a tela de Helena para lhe dar um nome. A pintura colorida traz no canto direito uma representação, de forma “chapada”, de um jogo de futebol com marcas tipicamente reconhecidas: campo verde, dois gols, pessoas vestidas como jogadores (uniformizados em cores distintas), em movimento, público sentado a assistir etc.  Mas também a pintura tem, em perspectiva, um empilhamento de casas, uma escadaria, um mar, dois barcos, ilhas, pipa no céu. Um morro, com certeza.

Os alunos parecem ter percebido o jogo de futebol como uma prática inserida nesta situação em que ele é praticado, como evidencia, por exemplo, a resposta: “A cidade do futebol” (F1C2T7b).

Mas também podem ter sofrido os efeitos do contraste entre uma representação em perspectiva com outra sem perspectiva, que projeta na cena o campo de futebol. Essa ausência de perspectiva e de proporcionalidade na representação da prática de futebol produziu um destaque para esta prática. Pode ter orientado, de certa forma, as respostas para este item? É possível, como podemos ver em algumas das respostas dadas pelos estudantes:

“O jogo dos craques” (F2C2T7b); “O jogo proficional” (F3C2T7b).

No entanto, este destaque pode ter sido ignorado pelos alunos. Respostas como, por exemplo: “o lugar colorido” e o “chumcumbalacobaco” remetem para outros aspectos que compõem a cena. No caso do segundo exemplo, parece que o aluno deslocou-se para um contexto que se distancia do contexto desportivo, mas que pode remeter a uma novela da Rede Globo com este nome, parte do contexto vivido pelo aluno. As duas possibilidades indiciam que o colorido, a mistura e o excesso de elementos presentes na tela podem ter orientado esses sentidos atribuídos.

O jogo de futebol pode ser entendido no interior do contexto desportivo, para o qual parece haver um bom repertório de experiências, constituído na cultura dos estudantes em geral. Uma compreensão construída na representação que o futebol tem no imaginário nacional (“uma paixão nacional”).

De certa forma, esta familiaridade dos estudantes com este contexto parece ter contribuído para o êxito da maioria, porém ela não o explica totalmente. Os estudantes estão acostumados a realizar práticas neste contexto desportivo diretamente, como, por exemplo, jogar ou assistir futebol. Nesse caso, as práticas estão indiretamente referidas através do texto (uma imagem). E ao invés de jogar ou assistir, o aluno é desafiado a se manifestar também por escrito, numa prática de apreciação estética.

Se é possível ponderar sobre as possibilidades já levantadas para compreender o êxito, o que falta ainda considerar?

Em primeiro lugar, o significativo índice de acertos parece encontrar na frequência e na natureza do uso da linguagem feito no comando – alegórico, uma primeira explicação. Os estudantes estão bastante familiarizados, na escola, com o comando (dê um título). O uso alegórico da linguagem contempla uma ampla gama de possibilidades de respostas aceitáveis. Ele procura assegurar a subjetividade dos estudantes. São comandos que, nos manuais dos professores que acompanham os livros didáticos, por exemplo, trazem a informação de que as respostas esperadas são “livres”, ou seja, não são passíveis de correção.

Em segundo lugar, é preciso considerar queno comando deste item, o uso alegórico combina-se com o uso informativo da linguagem, também bastante frequente no ambiente escolar, já que o conhecimento costuma ser mobilizado através deste uso.

Em terceiro lugar, a prática de apreciação estética, objetivo de avaliação deste item, também parece ser frequente na escola. A inclusão de textos alegóricos no material didático (principalmente reproduções de pinturas, fotos etc. a partir dos anos 80 do século XX), acompanhada de comandos que contemplem posicionamentos mais singulares, particulares, livres por parte dos estudantes, têm demandado frequentemente práticas de apreciação ou opinativas.

Como conclusão, se pode pensar que: a encenação colocada em movimento neste item combinou, segundo um determinado conjunto de regras, os elementos destacados por nós até aqui. O significativo êxito obtido pelos estudantes indica que a grande maioria soube conduzir-se no jogo proposto, mediante a observação de suas regras e considerando a situação em que ele estava inscrito.

 

2º. jogo - Um caso de menor êxito – C2T2d

Um segundo caso, o C2T2d, é o item de menor êxito. Considerando somente as respostas adequadas (11,1% – no universo restrito e 9,4% no ampliado), este item parece ter outro jogo em relação àquele anteriormente comentado. Neste item, temos um fragmento de texto literário (alegórico/verbal/narrativo), em que um personagem tem reações que se ligam ao contexto de exploração do trabalho. O comando (nem nem/verbal informativo) solicita ao estudante que, para elaborar sua resposta, faça um uso informativo da linguagem e permita a verificação do significado que ele atribui a uma prática de apelidação em um contexto de atividade de trabalho rural (no campo).

Todos os elementos que se combinam nesta encenação parecem ser bastante familiares ao universo do aluno. O uso informativo da linguagem é usual no ambiente escolar. A ação de colocar apelido em outro é uma ação compartilhada no cotidiano de nossa cultura. A exploração do trabalho é um contexto que não só integra grande parte do repertório de histórias infantis, como faz parte da vida cotidiana de muitos trabalhadores, projeta-se na mídia, se faz presente como assunto no ambiente familiar etc.

Consideramos que este item não representaria grande dificuldade para os estudantes, como atesta a resposta de um aluno a um comando que solicitava a associação de reações do personagem aos tratamentos que recebia, conforme o texto apresentado:

Jegue:  Ele é conhecido como jegue;

Burro: ele nem liga quando chamavam ele assim;

Mula: ele para e vai embora.” (F4C2T2d).

No entanto, a grande maioria dos estudantes enfrentou dificuldade. Esta parece ter se originado do percurso de leitura a ser vivido pelo aluno em um fragmento de narrativa, em que tais elementos estão referidos. Para alcançá-los o aluno precisaria realizar um conjunto de operações de idas e vindas sucessivas pelo texto, sem, contudo, dele se afastar. Precisaria alcançar as nuances de sentidos atribuídos ao chamamento, em cada uma das situações, e sua valoração distinta em um contexto de exploração do trabalho. A resposta que se segue exemplifica este caso. 

Jegue: ele ficou parado

Burro: tavem

Mula: tavbem porque ele acustumou (F5C2T2d).

Mas se considerarmos as respostas “parcialmente adequadas”, junto às “adequadas”, tanto em um universo quanto no outro, teremos um salto significativo nos índices obtidos: 44,8% (restrito) e 38,1% (ampliado). O que poderia explicar esta diferença?

Este salto pode ser entendido pela flexibilidade do gabarito. Ele permite que apenas uma (01) das três proposições que compõem este item seja de fato respondida, em um uso da linguagem que não precisa ser necessariamente informativo. Conforme o gabarito, são consideradas “parcialmente adequadas”, as resposta que: “(...) apresentem apenas uma única distinção entre as reações do Jumento em relação a práticas de apelidação em contextos de atividade de trabalho no campo (rural) ou em qualquer outro contexto”. Como exemplo, temos a resposta dada por um dos estudantes:

Jegue:  _ ;

 Burro: ele nem liga;

 Mula: ele deu axbora (F6C2T2d).

Todas essas respostas, aqui apresentadas, não podem ser consideradas fora das relações intersubjetivas construídas nesta relação: pergunta- resposta. Elas fabricam-se conjuntamente e trazem imbricadas as perguntas feitas. Há uma forma de perguntar que é usualmente escolar, na qual se solicita o retorno do aluno ao texto para busca de informações, explicações, argumentos e inferências, tal qual como foi realizado neste item. Há uma forma que deve ser intensamente ensinada e aprendida, entre outras formas de ler.

Colocar um texto sob escrutínio exige uma prática de leitura altamente regrada, que não é espontânea, é cultural (ensinada e aprendida no interior de uma comunidade de leitores). Gestos como: sublinhar, anotar, reler, conferir etc. produzem esta forma de ler. Uma forma de leitura que não pode ser tomada como única, nem modelar. Nem puramente aplicável a toda e qualquer situação, a todo e qualquer material, a toda e qualquer finalidade. Tampouco uma prática que seja válidapara qualquer tempo e para todo e qualquer leitor. Como coloca Chartier (1990), a prática daleitura depende, para cada época e para cada meio, das maneiras pelas quais o texto pode ser lido; depende das formas partilhadas das mesmas técnicas intelectuais que dão formas e sentidos aos gestos dos leitores; depende da relação singular que cada um tem com o texto, em uma dada situação (p. 121).