Usos Mistos

Considerações acerca dos usos nem preponderantemente alegóricos e nem preponderantemente normativos

O QUADRO NN dá visibilidade aos desempenhos percentuais médios das crianças em cada um dos 13 itens da prova em que são feitos USOS NEM NORMATIVOS E NEM ALEGÓRICOS DA LINGUAGEM. Em nossa análise, priorizamos inicialmente a leitura dos descritores em separado e, posteriormente, em seus cruzamentos, conforme fizemos no quadro anterior.

 

Quanto aos usos da linguagem nos textos e comandos

Na primeira coluna à esquerda do QUADRO NN – usos da linguagem nos textos/comandos - podemos identificar todos os textos e comandos que não são nem alegóricos e nem normativos (NN). Os textos se dividem em imagéticos ou verbais, sendo que os primeiros são sempre narrativos e os verbais são informativos.

Muito embora o caráter narrativo da linguagem esteja sempre associado ao texto imagético (C1T4b; C1T4c; C1T4d), no Quadro NN, ele também aparecerá associado ao comando verbal. Então a narratividade da linguagem não é exclusiva da imagem, como esta não é sempre narrativa. Lembremos que no QUADRO A1, a imagem está associada ao caráter descritivo da linguagem (C2T4e; C2T6b; C2T7a; C2T7b).  Mas é bom pensar que sempre podemos problematizar tais classificações.

Nos comandos, apenas há o uso verbal que vem associado a uma gama bastante variada de gêneros - narrativo (C1T4b), explicativo (C1T4c; C1T6f; C1T7b), opinativo (C1T4d; C1T6e), argumentativo (C1T5c)e informativo (C1T7a; C2T4a; C2T4b; C2T4c; C2T4d; C2T6a). Entretanto, prevalece a associação do comando verbal (06) com ogênero informativo, que também ocorre na relação com os textos (10).  O que parece querer dizer que, na composição da prova, também há uma presença significativa do modo usual do ambiente escolar mobilizar o conhecimento, isto é, como informação.

Se tomarmos os desempenhos percentuais médios dos estudantes nos itens em que o caráter informativo da linguagem prevalece, tanto nos textos, quanto nos comandos, vamos observar que de forma majoritária eles estão abaixo da linha imaginária de 50%, considerando apenas as respostas adequadas. Este desempenho oscila de 22,1% (universo restrito), 16,8% (universo ampliado) a 45,8% (universo restrito), 33,0% (universo ampliado).  Mas se consideramos as respostas parcialmente adequadas, juntamente às respostas adequadas, a situação se inverte significativamente. Este desempenho chega a 93,2% no universo restrito e 82,7% no universo ampliado. O que isto nos permite pensar?

Em primeiro lugar que o gabarito no quesito “parcialmente adequado” teria acolhido, como nas demais questões da prova, uma gama bastante variada e flexível de possibilidades que indicariam a intenção dos estudantes a uma aproximação às respostas adequadas.

Assim como o universo escolar da atualidade, a prova ampliou, de forma significativa, a margem de aceitabilidade das respostas. Desta forma, parece reconhecer o esforço de grande contingente de estudantes e legitimar esta produção, bem como a carga de “invenção” que ela pode carregar. Resta como desafio para a escola, o trabalho efetivo com esta produção, de modo a inscrevê-la no conjunto complexo de formas de mobilização do conhecimento que marcam nosso tempo.

Os demais gêneros (explicativo, narrativo, argumentativo, opinativo) estiveram presentes em três (03) textos - C1T4b; C1T4c; C1T4d-e sete (07) comandos C1T4b; C1T4c; C1T4d; C1T5c; C1T6e; C1T6f; C1T7b.

Os desempenhos percentuais médios obtidos nos itens que demandam o uso explicativo da linguagem oscilam entre 1,7% e 1,1% (nos universos restrito e ampliado) - C1T6f e 62,1% e 45,6% (nos universos restrito e ampliado)- C1T4c. O mesmo ocorre com relação ao uso opinativo da linguagem, que no item C1T4dapresenta um desempenho 67,2% (universo restrito) e 55,0 % (universo ampliado) – e no item C1T6e que traz 16,8% (universo restrito) e 12,7% (universo ampliado). Isto parece indicar que o êxito maior ou menor dos estudantes não depende exclusivamente desta variável, como dito no QUADRO A1.

 

Quanto às práticas e campos de atividade humana

Na segunda coluna da esquerda para a direita – Práticas/Campos de Atividade Humana -, para cada item da prova são destacadas as práticas culturais (PR) referidas nos comandos textuais, nos respectivos Campos de Atividade Humana (CAH) em que tais práticas são encenadas pelos textos.

As práticas estão agrupadas em dois eixos: Práticas de Gestão do Patrimônio Geopolítico e Histórico (PGPGH) e Práticas de Gestão de Si e do Outro (PGSO). Ligadas ao primeiro eixo, estão as seguintes práticas: transformação paisagística (C1T4b; C1T4c; C1T4d); delimitação territorial (C1T5c); gestão pública do lixo (C1T6e; C1T6f) reciclagem de papel (C1T7a); preservação ambiental (C1T7b).Ligadas ao segundo eixo, são as práticas: gestão da obesidade (C2T4a; C2T4b; C2T4c); discriminação (C2T4d); prática de futebol (C2T6a). São, portanto, 08 práticas distintas e espalhadas por 13 itens no QUADRO NN.

Diferentemente do que ocorreu na primeira coluna, em que havia preponderância do uso informativo da linguagem, nesta coluna há presença de uma grande variedade de práticas. No entanto, duas delas (transformação paisagística e gestão da obesidade) concentram um maior número de itens.

Olhando para os desempenhos percentuais médios dos estudantes, obtidos nos itens relacionados a essas duas práticas, não podemos afirmar maior ou menor desempenho em nenhuma delas.

Quanto aos contextos de atividade humana presentes no quadro NN, são eles: urbanismo público (C1T4b; C1T4c; C1T4d); gestão estatística de população (C1T5c); gestão pública do lixo (C1T6e; C1T6fC1T7a; C1T7b);  gestão da saúde corporal (C2T4a; C2T4b; C2T4c; C2T4d); desportivo (C2T6a). É possível constatar que três dos contextos se fazem presentes em umaquantidade equilibrada deitens.

Para qualquer um desses contextos não é possível vincular o maior ou menor desempenho dos estudantes. O contexto é uma variável, que como os demais elementos que compõem o jogo da linguagem proposto, não pode isoladamente explicar o desempenho dos alunos.

 

Quanto aos usos da linguagem, práticas e campos de atividade humana, conjuntamente

 

3º. Jogo – item C1T4b

Entre os 13 itens que compõem o QUADRO NN, selecionamos para análise o item C1T4b. Este é o único entre os 55 itens da prova, cujo comando é verbal/narrativo. Isto quer dizer que ele solicita dos estudantes uma contra palavra, em forma de uma “redação”, para um possível concurso de premiação.  Não se trata de um comandoque pede uma explicação, opinião, informação, argumentação ou sugestão para uma situação dada. Mas de um enunciado que diz o seguinte: “Em 2011, Campinas completará 237 anos. O Jornal da cidade premiará a melhor redação que contar as mudanças ocorridas no Largo do Rosário, ao longo do tempo. Observe as fotos e escreva o seu texto para esse concurso.”

As fotos mencionadas no comando compõem o texto (imagético/narrativo) e apoiam todos os itens desta questão.

Conforme o gabarito da prova, um dos objetivos previstos para este item é “verificar como os alunos significam um comando textual que solicita usos narrativo e descritivo da linguagem a partir de um texto em que se faz usos imagético, descritivo, narrativo (memorialístico) e informativo visual da linguagem”. O outro objetivo deste item é verificar como os alunos significam práticas de transformação paisagística e competição literária, quando mobilizadas em contextos de urbanismo público e gestão do espaço público.

Os critérios de correção deste item apontavam para os seguintes aspectos que faziam com que uma resposta fosse significada como “adequada”: a) uma produção textual em que fosse feito um uso narrativo da linguagem; b) uma produção apoiada na leitura das fotos; c) uma produção em que as práticas de transformações paisagísticas estivessem referidas; d) uma produção que se situasse no contexto do urbanismo público; e) uma produção que apresentasse coesão, argumentação, coerência e correção gramatical, configurada para participação em uma competição literária.

Este item reserva um espaço em branco, com nove linhas, para uma possível resposta do aluno, diferentemente dos demais da prova que reservam uma média de três linhas. A nossa expectativa era de que todo o espaço fosse ocupado para a produção de texto.

Esse conjunto de objetivos e critérios de avaliação, assim como o espaço em branco destinado às respostas, evidenciam a lógica que presidiu este item e a intenção de enquadramento por parte dos elaboradores da prova. A este esforço, as respostas podem ser interpretadas como enunciados que admitem, resistem, extrapolam ou negam este enquadramento, mas sempre com ele dialogando.

O desempenho percentual médio dos estudantes neste item quanto às respostas adequadas foi de 14,2% (universo restrito) e 10,7% (universo ampliado). Um índice preocupante, se considerarmos os demais itens deste quadro (com exceção de outros dois ainda menores). O item C1T4b é o que apresenta o menor percentual de desempenho quando tomamos os conjuntos de itens do T4.

Tomamos nove registros fotográficos feitos por ocasião da correção da prova. Um conjunto bastante pequeno, mas que apresenta significativa diversidade, nos permitindo pensar que ela pode ser muito maior na totalidade das respostas. Embora o enunciado aparentemente seja o mesmo para todas as respostas, para cada uma delas ele constrói uma feição distinta, e com cada uma delas são forjados sentidos possíveis.

Pensar sobre isto nos permite evidenciar que entre um comando cuja finalidade é disciplinar as possibilidades de respostas, e a produção dessas respostas pelos estudantes, há uma grande distância a considerar. Conforme Chartier (1990, p. 122): “Como é que um texto que é o mesmo para todos aqueles que o leem pode tornar-se” um instrumento de diferentes entendimentos e interpretações?

Para esse autor, a leitura é sempre um encontro móvel, singular, plural, diverso, efêmero, construído na distância e na tensão entre os sentidos atribuídos pelos autores dos textos e suas materialidades e os usos e apropriações desses textos pelos leitores.

Uma prova é uma situação comunicativa que envolve muito claramente, no mínimo, dois participantes (examinador e examinado) em papéis bastante definidos. O que se “pergunta” e o que se “responde” integram um evento discursivo complexo, modelado por imagens, representações e expectativas em circulação. Tal conjunto se fez presente nos momentos de elaboração desta prova, de sua realização, de sua correção e de sua interpretação. (HESSEL, 2002). Isto posto, o exercício de leitura e a análise de estatísticas exigem um olhar interpretativo que vai além do adequado e inadequado, que extrapola a verificação de uma confiabilidade do conteúdo, que retira do sujeito (aluno individual) aquilo que diz respeito à responsabilidade exclusiva pela resposta dada. Trata-se de um jogo de cena, do qual participam elementos que extrapolam aquela situação, mas que é habitada por eles. Neste item temos uma dupla situação de avaliação: responder a uma prova e “concorrer” a um concurso de premiação. São duas práticas ligadas a contextos distintos da atividade humana, situadas cultural e historicamente e diferentemente regradas. Embora o concurso referido tenha a sua “verdade” estabelecida apenas no item, a escola de um modo geral interage com concursos que se estabelecem de fato na nossa sociedade,apresentando-se em editais e regulamentos próprios. 

Sendo assim, ao tomar as respostas ao item C1T4b, podemos ponderar sobre os modos, em sua diversidade, pelos quais cada estudante mobilizou usos, práticas e contextos que fazem o contorno previsto, assim como todos esses elementos que indiciam os percursos realizados pelos estudantes que dialogam com esse contorno.

 

A pomba e o ursinho: uma história (F7C1T4b)

A pomba e o urcinho

Um urcinho estava deitado na sua cama intediado e a pomba apareceu na janela e disse oi:

- Vamos Brincar dice a pomba estou cansado mas vamos foram Brincar o urcinho desmaiou quando acordou e a pomba dice da prosima vez não te chamo para Brincar.

Imaginação excessiva? Falta de compreensão? Falta de atenção? Resposta descabida? No mínimo, um estranhamento. Muito certamente, tal resposta foi considerada “inadequada”, por não ter atendido minimamente os objetivos propostos. Embora o estudante tenha feito o uso narrativo da linguagem, não levou em conta a prática e contexto envolvidos neste item, não fez referência às fotos e às mudanças que nelas precisavam ser destacadas.

Um caso que parece ser de subversão do assunto proposto. Mas em que o estudante parece não estar subvertendo toda a situação envolvida: a da prova e a do concurso de premiação. De certa forma, ele mostra possuir alguma ideia sobre a participação em concursos: fazer uma boa redação. Ele fez um texto narrativo, colocou um título centralizado, separou corpo do texto e título, utilizou adequadamente a concordância verbal e nominal e usou (mesmo de forma hesitante) a norma ortográfica e os sinais próprios da escrita, como: dois pontos, travessão, parágrafo, letra maiúscula e minúscula, ponto final etc. Sua narrativa apresenta claramente os personagens, o conflito e sua resolução, numa coerência e consistência adequadas para participação em uma competição literária.

Esta narrativa ainda nos permite levantar um modelo de “boa redação” que parece tê-la orientado, e a prática escolar, na qual o estudante parece ter sido educado. Nos anos iniciais, esta prática usualmente apoia-se em um repertório de textos literários e histórias produzidos para a infância, em que a fabulação se faz em torno de situações e cenários imaginários, com animais que brigam, falam, brincam etc. Grande parte da produção para a criança, em nossa cultura atual, está apoiada também neste universo: desenhos infantis, programação do cinema e da literatura.

O material encaminhado pelos professores para apoiar a elaboração desta prova, nos mostrou também que demandar a invenção de uma historia a partir de uma imagem é prática usual nos anos iniciais. Este item traz um conjunto de 04 imagens do Largo do Rosário, e embora nenhuma delas registre a presença das pombas que habitam aquele lugar, é possível que o estudante tenha recorrido a sua vivência pessoal no local (junto às pombas) ao invés de se apoiar na praça, tal como referida nos textos. Esta é uma possibilidade forte de interpretação desta resposta, porque na cidade de Campinas, o Largo do Rosário é conhecido como praça dos pombos.

O enquadramento da resposta do estudante, garantido pelo comando, foi alterado no percurso realizado por ele, e é neste terreno movediço entre o que se espera e aquilo que não se espera, entre o que se busca controlar e o que foge ao controle, que as respostas dessa prova buscam ser analisadas. Em situações comunicativas, os encontros nunca são inteiramente previsíveis. Para Arfuchs (1995, p.34, apud SILVEIRA, 2002): “todo encontro tem uma boa dose de acaso (...).

 

Um candidato a vereador (F8C1T4b)

vó falar um pouco dessas pessoas

que mora em barracões si eu fosse o um candidato da veriador se fosse posivel dava a minha casa para eles mora então os meninos de rua essas pessoa passam pela rua nem dar um sentavo de um 1 real qui curel si eu fose candato de veriador já tava essas pessoas de roupas novas muito obrigado

 quem vai corrigir não fique zangado so escrevi o qui eu pensei.

 

Sem desconsiderar seu conhecimento da situação envolvida (uma prova e o aniversário da cidade de Campinas), o estudante parece ter“clareza” do que se espera de sua resposta neste item. Já no início de seu texto, ele marca uma decisão contrária ao que se pede: “vo falar um pouco” (...).  E no final de seu texto, ele reforça essa “consciência”: “quem vai corrigi não fique zangado só escrevi o qui eu pensei.” Ele não aceita o jogo proposto pela prova e realiza outro. O aluno não faz um uso narrativo da linguagem, ele não se atém às fotos e às práticas de transformação paisagística nelas referidas. E embora suaresposta refira-se ao contexto do urbanismo público, tal como se propõe neste item, nela o estudante atém-se ao momento atual e à problemática da desigualdade social, que também integra as questões de uma cidade como Campinas. Não podemos ignorar que esse local, o Largo do Rosário, é hoje um reduto da mendicância na cidade, assim como outros espaços do centro. Talvez seja com base em sua vivência pessoal e com o desconforto experimentado nessa situação, que ele tenha feito a escolha de tomar uma posição em defesa dessas pessoas.

Embora a resposta não atenda aos requisitos impostos para este item, ela apresenta uma lógica cultural própria dos discursos do tempo do estudante. Nesse sentido, ela não pode ser tomada como descabida ou despropositada. É uma resposta que aponta para a falta da moradia, da mendicância infantil, da desigualdade social, cuja solução parece ser entendida muito mais em um quadro de valores próprios de um discurso religioso que circula na cultura, de um modo geral, nas escolas, nas igrejas, na televisão. Embora se apresente a figura do vereador, indiciando que a solução viria de uma atuação política, sua visão parece serde cunho paternalista.

Numa outra direção, forja-se outra opinião. Vejamos (F9C1T4b)

 

Bom na minha opinião esse lago é uma parte muito marcante da nossa cidade Campinas cresceu evoluiu se modernizou, mas essa praça também cresceu, evoluiu e se modernizou é um ponto muito bonito da dessa cidade espero que Campinas cresce e O Largo do Rosário também!

Parabéns Campinas!

Parabéns Largo do Rosário! Por esse 237 anos de existência de luta!

 

Nesta resposta, como na anterior, o estudante faz um uso opinativo da linguagem, contrariando o jogo proposto. No conjunto dos registros fotográficos que apoiou nossas análises, nos surpreendeu a presença marcante do texto opinativo, já que o item solicitava ouso narrativo da linguagem.

O que isto poderia sinalizar? Em primeiro lugar, pensamos que este uso da linguagem é uma presença forte no ambiente escolar. O trabalho com este gênero de texto, na escola, vem se fortalecendo, nas últimas décadas a partir dos materiais didáticos e recomendações dos governos para o ensino da língua portuguesa. Também neste período se acentuou o valor dado ao sujeito que produz a escrita. Comandos como: dê sua opinião, registre sua historia, escreva suas impressões, que sentimentos isto provoca em você etc. exemplificam esta afirmação. Associada à liberdade deste estudante para se expressar, parece existir a expectativa de oferecer a ele o espaço necessário para exercício da “crítica”. Um valor que tem orientado a conduta escolar na formação do cidadão.

Em segundo lugar, temos de considerar as regulamentações que regem os diferentes concursos de redação que se apresentam para o mundo escolar. Em alguns deles, a solicitação de uma produção em que o estudante tome uma posição diante de um tema oferecido, parece ser uma constante e pode ter orientado igualmente as escolhas do aluno por este gênero de texto na prova.

Neste texto, o estudante menciona, de forma generalizante e em paralelo, as mudanças ocorridas no Largo do Rosário e aquelas da cidade de Campinas. Às mudanças é atribuído um valor positivo. Em seu texto, a sequência das expressões - crescimento, evolução, modernização – permite pensar em uma relação de causa e efeito que circula em nossa cultura. 

A referência ao aniversário da cidade está colocada no início do comando deste item, antes da menção às mudanças ocorridas no Largo do Rosário, objeto da escrita. O estudante parabeniza a cidade e o Largo do Rosário pelo aniversário, demonstrando estar ciente da situação proposta. Afinal de contas, quem faz aniversário merece ganhar parabéns com ponto de exclamação.

Estaria se utilizando de ponto de exclamação (04 em todo o texto), na tentativa de reforçara sua admiração pela cidade? Agregariam valor a sua admiração? Seria esse um texto laudatório?

Como entender a menção de uma existência de luta ao final do seu texto? Um lugar comum? Ter uma existência longa e vitoriosa é algo digno de admiração?

De qualquer forma, o estudante apresenta um texto com poucos problemas ortográficos, com recursos próprios da modalidade escrita da linguagem, ocupando todo o espaço de linhas deixado para sua produção.

 

Uma cidade que renasceu das cinzas

A imagem da cidade de Campinas como palco de luta, de renascimento, de força, de desenvolvimento aparece também nesta produção, como apareceu na anterior. Em ambas circulam representações que engrandecem a cidade. Em ambas, o estudante faz um uso opinativo da linguagem, diferentemente do uso narrativo, conforme previsto no comando.

A referência ao aniversário de Campinas, já no início do comando deste item, parece provocar uma opção do estudante pelo uso opinativo da linguagem. Esta referência parece ter orientado ainda o percurso realizado pelo estudante: um desvio na rota prevista inicialmente. Ele ignora o tópico do enunciado que propõe a observação das fotos do Largo do Rosário e a solicitação da narrativa sobre as mudanças que elas documentam. Deste modo ele não se atém às práticas referidas e nem ao contexto da atividade humana envolvido. Vejamos (F10C1T4b)

 

Campinas uma cidade muito agradavel com muitas estorias emosionamtes umas delas campinas merece ter o simbolo da fenix ela renaseu das cimzas eu gosto desa cida de que renaseu das cimzas e legal eu fico pemsamdo que cidade forte ne:

Neste caso, ao emitir sua opinião, ele argumentou em favor dela, lançando mão do símbolo da Fênix que está no centro do brasão da cidade. Assim, destaca a capacidade da cidade de renascer permanentemente das cinzas, concluindo que ela é forte e pedindo diretamente a concordância do seu interlocutor.  O aluno parece mobilizar em sua produção um conhecimento da história de Campinas que circula no currículo do seu ano escolar.

O texto, sem título, apresenta alguns problemas ortográficos e é desprovido de sinais e organização próprios da modalidade da escrita.  Trata-se de uma produção que pode ser considerada atípica, conforme gabarito, em que o estudante mobiliza informações e conhecimentos históricos pertinente, que não são possíveis de inferência exclusivamente com base em análise visual das fotos.

 

As mudanças ocorridas no Largo do Rosário...

Alguns alunos seguiram a rota prevista pelo comando deste item: fizeram uso narrativo da linguagem, consideraram a prática da “transformação paisagística” referida nas fotos e mantiveram-se no contexto do “urbanismo público”.  Vejamos uma dessas produções (F11C1T4b):

 

Anos atrás, era muito mais diferente lá o Largo do rosario do que é atualmente. Colocaram estatuas tiraram, colocaram postes e agora têm novos, que são muito  diferentes. Não só o Largo do Rosario mudou mas tudo que há em sua volta. Porque hoje em dia tudo é inovado com coisas modernas.

 

Neste texto, o estudante reafirma algumas diferenças na paisagem do Largo do Rosário, assim como em seu entorno. Projeta essas diferenças no tempo. Concebe essas diferenças como que respondendo à necessidade de modernização e inovação da cidade. A associação entre as mudanças e a ideia de progresso, modernidade e inovação corresponde a uma representação valorizada e hegemônica em nossa cultura.

O texto se apresenta correto do ponto de vista da norma gramatical e da utilização dos recursos próprios da escrita. Sua configuração apresenta certo “acabamento” que permite ao estudante participar de uma competição literária. O mesmo ocorre com esta outra produção (F12C1T4b)

 

- Bom o largo do Rosario teve muitas mudanças de lá para cá. Antes tinha algumas casas e igrejas depois mudou au longo dos anos a igreja ficou maior e foi construidas muitas casas e foi indo indo até agora. Agora tem muito mais carros e casas e predios poucas arvores no largo do Rosario tem mais pessoas.

 

Este texto não parece configurar-se como um texto escrito acabado, em forma de redação, conforme solicita o comando. Ao contrário, o estudante se coloca no jogo proposto como alguém que vivencia diretamente a relação dialógica – pergunta e resposta – e que utiliza o espaço destinado ao texto para indicar a alternância de turno da fala. Isto se evidencia pelo uso do travessão no início do texto, seguido da expressão “bom”.

A configuração de seu texto parece ser um registro de sua fala, situada em uma conversa. Há outros indicadores em sua narrativa que apontam para esta situação: “de lá, para cá”, “foi indo indo até agora”.

A afirmação atribuída à atualidade do Largo do Rosário  como tendo “ mais pessoas”  não corresponde à foto número quatro, que seria a mais atual. É possível entender que a afirmação tenha sido produzida a partir de sua vivência direta no Largo do Rosário e não àquela referida em um registro fotográfico.

 

Como as coisas mudam!

Se até aqui, vimos textos que exemplificam os desvios de rotas empreendidos pelos estudantes ao escrever, assim como aqueles em que procuraram atender de certo modo o comando, na sequência vamos ponderar sobre um texto bastante singular dentro do conjunto analisado. Ei-lo (F13C1T4b)

 

Como as Coisas mudam!

Fazendo minha provinha a quarta página eu virei comecei a ler, e vendo as fotografias logo logo me espantei e eu falei “Olha que legal! Eu já estive lá”. Eles eram muito diferentes: Roupas diferentes, construções etc. E terminei minha prova.

 

Sua singularidade se manifesta, em nossa opinião, pela inserção do estudante-autor como narrador-personagem de seu texto. Nesse processo de inserção, esse narrador discorre sobre seu itinerário de leitura pela quarta página da prova que o estudante-autor, de fato, realiza. Reconhece o lugar registrado nas fotos oferecidas como texto de leitura – o Largo do Rosário – onde afirma já ter estado. A partir de então, ainda que de forma econômica, aponta para algumas transformações ocorridas. Essas transformações, entretanto, não parecem ser aquelas referidas pelas fotos, mas remetem a sua vivência da situação.

Essa singularidade também se manifesta numa composição que aproxima narração e poesia. Como entender a escolha por esta forma de dizer?  Talvez este modo esteja identificado como uma imagem de que a escrita do texto poético é a mais difícil, sendo essa forma mais bonita, mais aprimorada, aquela que comunica o diferencial de um bom escritor. Ao escolher essa forma, e ainda garantir em seu texto, a presença de rimas, o cuidado com a correção da linguagem, o título, faz dele um texto bem acabado para participar de um concurso literário.

 

Não vi as mudanças...

No exemplo abaixo (F14C1T4b), o estudante se esquiva totalmente da proposta feita pelo comando. Mas não deixa o item sem resposta (em banco). Não rompe com o acordo estabelecido por uma situação de prova. Vejamos: 

 

Eu gostaria de concorrer a esse concurso, mas como eu não vi as mudanças não vou participar.

 

O que tornaria possível a sua participação no concurso seria a visão das mudanças ocorridas no Largo do Rosário. De que visão está falando em seu texto? Não teria visto as mudanças no conjunto de fotos? Se assim for, as mudanças afirmadas pelo comando da questão, só teriam validade se tivessem sido vistas. A visão atesta a veracidade dos fatos. Uma ideia bastante comum em nossa cultura.

Ou não teria visto as mudanças ao longo da história da cidade? Se assim for, há um indicativo de sua dificuldade em reportar-se às mudanças referidas pelas fotos, tomando-as como impossíveis por não tê-las vivenciadas.

As análises apresentadas dos itens da prova em que se levou em conta os cruzamentos de todos os descritores que os orientaram, permitiram enxergar os movimentos realizados pelos estudantes na construção de suas respostas.

Esses movimentos se configuraram diversamente, expressando as múltiplas formas encontradas pelos estudantes de participar dos jogos de linguagem que estavam sendo propostos. Nem sempre corresponderam ao nosso ideal, tal como delineado na categoria “adequada” do gabarito de correção. O encontro entre perguntas e repostas, muitas vezes, foi um encontro surpreendente e inusitado, que dependeu das possibilidades encontradas pelos estudantes.

Entre as possibilidades encontradas,  os estudantes enfrentaram majoritariamente a dificuldade de reportar-se às práticas  como referidas nos textos de leitura.

Ao buscar compreendê-los em suas escolhas, nosso compromisso não foi afirmar o seu grau de aceitabilidade, isto foi cumprido pelos corretores com base no gabarito da prova. Nosso trabalho foi tecer conjecturas, de modo a tornar possível a identificação de aspectos das práticas leitoras que merecem  ser trabalhadas com maior ênfase na escola. Igualmente, afirmar a inventividade dos estudantes na realização de um itinerário de atribuição de sentidos que não pode ser visto como algo extemporâneo e sem sentido. Ao contrário, esse itinerário expressa seu conhecimento da situação envolvida, das práticas e representações já legitimadas no interior da escola.