Usos Normativos

Considerações acerca dos usos preponderantemente normativos da linguagem

Nesta seção do relatório, faremos comentários detalhados exclusivamente acerca do desempenho das crianças em relação a USOS NORMATIVOS DA LINGUAGEM.

O QUADRO N dá visibilidade aos desempenhos percentuais médios das crianças em cada um dos 26 itens da prova em que são feitos usos normativos simples da linguagem (quando tais usos são feitos apenas nos textos ou apenas nos comandos textuais), ou usos normativos compostos (quando tais usos são feitos tanto nos textos quanto nos comandos textuais). No QUADRO N, tais usos estão destacados nas seguintes cores:

  • Verde - Itens da prova em que são feitos usos normativos compostos da linguagem.
  • Amarelo – Itens em que são feitos usos normativos simples (apenas nos comandos textuais) da linguagem.
  • Azul – Itens em que são feitos usos normativos simples (apenas nos textos) da linguagem.

Na primeira coluna à esquerda do QUADRO N, são destacados, para cada item da prova em que se faz uso normativo simples ou composto da linguagem, outros usos excludentes ou não excludentes da linguagem. Assim, por exemplo, o que está sendo dito na primeira coluna do QUADRO N é que, no item C1T1a da prova, foram feitos, simultaneamente, usos alegórico e narrativo da linguagem no Texto (TX), bem como usos normativo e descritivo da linguagem no Comando Textual (CT).

Na segunda coluna da esquerda para a direita, para cada item da prova em que se faz uso normativo simples ou composto da linguagem, são destacadas as práticas culturais (PR) referidas nos comandos textuais, nos respectivos CAMPOS E CONTEXTOS DA ATIVIDADE HUMANA em que tais práticas são encenadas nos textos. Assim, a segunda coluna do QUADRO N nos informa que o comando textual do item C1T1a da prova se refere à prática de deslocamento espacial no campo de atividade humana de navegação aérea.

Na terceira e na quarta colunas do QUADRO N são discriminadas, respectivamente, duas sequências de índices percentuais médios relativos aos desempenhos dos alunos em cada item da prova em que algum tipo de uso normativo da linguagem se faz presente. Tais sequências relativas a um mesmo item da prova dão visibilidade a diferentes composições percentuais médias de respostas, enquadradas nas seguintes categorias: Adequadas (A); Parcialmente Adequadas (PA); Inadequadas (IN); em Branco (B) e Ilegíveis (I). Nas duas sequências percentuais da terceira coluna, os índices são calculados relativamente a um Universo Restrito(UR) que inclui apenas respostas adequadas, parcialmente adequadas e inadequadas (no universo restrito, A + PA + IN = 100%). Já nas duas sequências percentuais da quarta coluna, os índices são calculados relativamente a um universo ampliado (UA) de respostas, que inclui tanto respostas adequadas, parcialmente adequadas e inadequadas, como também, respostas ‘em branco’ e ilegíveis (nesse universo ampliado, A + PA + IN + B + I = 100%).

Pensamos que as dificuldades demonstradas pelas crianças para lidarem com USOS NORMATIVOS DA LINGUAGEM se torna evidente, quando comparamos os seus desempenhos percentuais médios na totalidade de itens da prova em que se solicitam tais usos normativos relativamente à totalidade dos itens em que se solicitam outros usos da linguagem. De fato, no GRÁFICO N1, pode-se constatar que, no universo restrito, apenas 26,7% das respostas das crianças a itens em que se solicitam USOS NORMATIVOS DA LINGUAGEM incluem-se na categoria de respostas consideradas adequadas, ao passo que, para os demais usos da linguagem, esse percentual se eleva a 40,2%.

Já o GRÁFICO N2 mostra que, no universo ampliado, os índices percentuais médios de respostas consideradas adequadas em usos normativos e nos demais usos da linguagem são, respectivamente, 21,6% e 33,7%.

Em uma análise mais flexível - em que se considera a soma dos índices percentuais de respostas adequadas e parcialmente adequadas -, no universo restrito, os índices percentuais médios de respostas consideradas adequadas em usos normativos e nos demais usos da linguagem são, respectivamente, 47,5% e 61,7%, como mostra o GRÁFICO N3.

Já o GRÁFICO N4 seguinte revela que, no universo ampliado, esses índices percentuais médios de respostas consideradas adequadas em usos normativos e nos demais usos da linguagem são, respectivamente, 37,6% e 51,2%.

Quando comparamos os desempenhos flexibilizados e não flexibilizados das crianças nos GRÁFICO N1, GRÁFICO N2, GRÁFICO N3 e GRÁFICO N4, é interessante observar que a diferença entre os desempenhos flexibilizados nos demais usos da linguagem e em usos normativos é pouco significativa no universo ampliado, ao passo que, no universo restrito, essa diferença é de quase 50%. De fato, essas diferenças, no universo restrito flexibilizado (GRÁFICO N3) e não flexibilizado (GRÁFICO N1) são, respectivamente, 24,2% e 13,5%. Já no universo ampliado flexibilizado (GRÁFICO N4) e não flexibilizado (GRÁFICO N2) essas diferenças são, respectivamente, 13,6% e 12,1%. Isso indica que, no universo restrito, a dificuldade demonstrada pelas crianças para lidar com USOS NORMATIVOS DA LINGUAGEM é mais significativa do que aquela revelada para os demais usos.

Além disso, no QUADRO N1, as expressivas diferenças nos desempenhos percentuais médios das crianças relativos a cada um dos 26 itens da prova em que se solicitam USOS NORMATIVOS DA LINGUAGEM indicam que essa dificuldade não se distribui de forma homogênea. De fato, conforme o GRÁFICO N5, a amplitude dessa variação de desempenho pode ser constatada, quando observamos que os índices percentuais médios de menor e maior desempenhos, relativamente ao universo ampliado, variam de 1,4% (para o item C1T3c) a 57,2% (para o item C1T2b) e, relativamente ao universo restrito, variam de 2,3% (para o item C1T3c) a 62,5% (para o item C1T2b).

Conforme o GRÁFICO N6, quando tornamos essa análise mais flexível, de modo a comparar a soma das respostas adequadas e parcialmente adequadas em relação à soma de respostas incluídas nas demais categorias, vemos que, relativamente ao universo ampliado, os índices percentuais de respostas adequadas mais os de respostas parcialmente adequadas variam de 5,4%(para o item C1T3c) a 73,9% (para o item C1T2b) e, relativamente ao universo restrito, variam de 8,9% (para o item C1T3c) a 80,7% (para o item C1T2b).

Em função desses resultados, poderíamos, por exemplo, perguntar se a dificuldade apresentada pelas crianças para lidar com USOS NORMATIVOS DA LINGUAGEM se mantém constante quando tais usos são feitos tanto nos textos quanto nos comandos textuais, ou apenas em um deles.

Nas linhas destacadas em verde, no QUADRO N1, estão discriminados todos os itens da prova em que são solicitados usos normativos compostos da linguagem, ao passo que, nas linhas destacadas em amarelo e em azul, são solicitados usos normativos simples.

No QUADRO N1 podemos constatar que, para os dois universos de respostas considerados, o item da prova em que as crianças apresentaram maior dificuldade (o item C1T3c) e menor dificuldade (o item C1T2b), estão em linhas destacadas em verde, isto é, são itens que requerem que as crianças façam usos normativos compostos da linguagem. Entretanto, como nos mostra o QUADRO N5, o qual – com base no que nos mostram o QUADRO N2, o QUADRO N3, o QUADRO N4 e o GRÁFICO N7, o GRÁFICO N8, o GRÁFICO N9, o GRÁFICO N10, o GRÁFICO N11, o GRÁFICO N12 e o GRÁFICO N13 - sintetiza os desempenhos percentuais médios das crianças em todos os itens da prova em que se solicitam usos normativos compostos da linguagem, comparativamente a usos simples, é possível concluir que, tanto no universo restrito quanto no ampliado, a dificuldade de se lidar com usos normativos simples da linguagem solicitados apenas nos comandos textuais é cerca de 8% maior do que aquela apresentada pelas crianças para lidarem com usos normativos compostos, ou então com usos normativos simples solicitados apenas nos textos.

De fato, com base no QUADRO N5, quando consideramos o universo restrito, o desempenho percentual médio de respostas insatisfatórias (soma de respostas inadequadas, em branco e ilegíveis) em relação a usos normativos compostos da linguagem foi de 47,8%, ao passo que tais índices, em relação a usos normativos simples (nos textos) e normativos simples (nos comandos textuais), foram, respectivamente, 47,9% e 58,0%.

Este índice de desempenho insatisfatório em relação a usos normativos simples apenas nos comandos textuais se mostra ainda maior quando fazemos essa mesma análise comparativa dentro do universo ampliado de respostas. Nesse universo, para um índice de 58,1% em relação a usos normativos compostos, temos 55,6% em relação a usos normativos simples (apenas nos textos) e 67,6% em relação a usos normativos simples (apenas nos comandos).

Assim, a dificuldade 8% maior apresentada pelas crianças para lidarem com usos normativos simples solicitados apenas nos comandos textuais poderia estar sugerindo – embora não possa ser generalizada para outras situações de usos normativos escolares da linguagem - que a combinação de usos normativos compostos e simples não influi significativamente nem para intensificar e nem para diminuir a dificuldade das crianças para lidarem com USOS NORMATIVOS DA LINGUAGEM.

Para se tentar significar a discrepância ou flutuação quantitativa nos desempenhos percentuais médios das crianças, exclusivamente em relação a USOS NORMATIVOS DA LINGUAGEM em diferentes itens da prova, é necessário tentar identificar e problematizar possíveis fatores que poderiam estar intervindo na produção dessa flutuação. Para isso, vamos inicialmente considerar, comparativamente, itens etextos da prova nos quais as crianças apresentaram menor e maior desempenhos médios flexibilizados e não flexibilizados em relação a USOS NORMATIVOS DA LINGUAGEM.

Quando observamos o QUADRO N1, verificamos que os textos C1T3 e C2T5 da prova foram aqueles que apresentaram maior dificuldade para as crianças relativamente a usos normativos e, nesses textos, particularmente, os itens C1T3c (2,3%; 1,4%); C1T3b (2,8%; 1,9%) e C2T5a (5,8%; 4,3%), para cada um dos quais destacamos, dentro de parênteses, os índices de desempenho percentual médio em respostas adequadas nos universos restrito e ampliado, respectivamente.

Por sua vez, o mesmo QUADRO N1 nos mostra que os textos C1T2 e o C2T5 foram os que apresentaram menor dificuldade para as crianças relativamente a USOS NORMATIVOS DA LINGUAGEM e, nesses textos, particularmente, os itens C1T2b (62,5%; 57,2%), C1T2c (61,5%; 56,9%) e C2T5b (59,6%; 48,1%), para cada um dos quais destacamos, dentro de parênteses, os índices percentuais médios de desempenho das crianças em respostas adequadas nos universos restrito e ampliado, respectivamente.

Quando comparamos os dois textos da prova em que as crianças apresentaram, respectivamente, dificuldades máxima (C1T3) e mínima (C1T2), flexibilizadas ou não, verificamos que ambos são textos que fazem usos normativos associados a usos imagéticos da linguagem, o que significa que o elemento imagético, neste caso, não poderia ser visto nem como um fator facilitador e nem como reforçador das dificuldades.

Além disso, em ambos os casos, as imagens envolvidas nesses dois textos são mapas rodoviários - um deles (C1T2) dando visibilidade a rodovias que ligam cidades dos Estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Paraná; e o outro (C1T3), a ruas do centro da cidade de Campinas - o que sugere que, nesse caso, também o campo de atividade humana - o da cartografia rodoviária – não atua nem como facilitador e nem como reforçador da dificuldade.

A mesma constatação pode ser feita quando consideramos as práticas envolvidas nos comandos textuais dos itens C1T2b e C1T2c, nos quais as crianças apresentaram menor dificuldade, e dos itens C1T3b e C1T3c nos quais elas apresentaram maior dificuldade. De fato, o que está em jogo nos comandos textuais desses quatro itens são os desempenhos das crianças em práticas de orientação e deslocamento espaciais solicitadas simultaneamente, o que sugere que, nesses casos, também as práticas envolvidas não atuam nem como elemento facilitador e nem como reforçador das dificuldades apresentadas pelas crianças em USOS NORMATIVOS DA LINGUAGEM. Entretanto, devemos ter presente que os modos como os comandos textuais dos itens C1T2b e C1T2c, bem como, os dos itens C1T3b e C1T3c solicitam a realização dessas práticas se diferenciam por seus graus de complexidade.

De fato, os comandos dos itens C1T2b e C1T2c solicitam que a criança opte entre apenas duas alternativas de deslocamento espacial – viajar do leste para o oeste ou do oeste para o leste (no item C1T2b) e viajar do norte para o sul ou do sul para o norte (no item C1T2c) – as quais, por sua vez, podem ser diretamente visualizadas no texto imagético do mapa, uma vez que, nele, estão traçadas as duas direções principais de orientação espacial: a direção norte-sul e a direção leste-oeste.

Por sua vez, os comandos dos itens C1T3b e C1T3c solicitam que a realização simultânea das práticas de orientação e deslocamento espaciais por parte das crianças se baseie - dentre a totalidade daquelas visualizáveis no mapa - na identificação e relacionamento de mais de uma informação, quais sejam:

1) identificar, no mapa, os pontos de partida e de chegada do deslocamento do táxi nas ruas de Campinas;

2) identificar e distinguir, no mapa, as ruas cujos sentidos de percurso são ou não permitidos para veículos no centro de Campinas;

3) identificar, dentre as várias alternativas de deslocamento do táxi para sair do cruzamento A e chegar ao cruzamento B, aquela que é o menor caminho;

4) fazer um uso descritivo da linguagem para caracterizar o menor percurso a ser realizado pelo táxi.

Desse modo, não é a mera alusão a uma categoria genérica de práticas (tal como, por exemplo, “práticas de orientação espacial”) – alusão esta que supõe indistintas e diferentes práticas de orientação ou de deslocamento espaciais – que explica a expressiva diferença de desempenhos das crianças em USOS NORMATIVOS DA LINGUAGEM nesses dois itens da prova. Pensamos que tal diferença poderia ser atribuída à complexidade diferencial situada ou idiossincrática de realização de diferentes práticas de orientação ou localização espaciais.

No caso da prova, tal complexidade diferencial situada se manifesta nos comandos textuais especificados por cada item da prova que faz referência a uma prática de orientação ou localização espacial.

De fato, quando levamos em conta algumas respostas das crianças, verificamos que dentre as 8 respostas por elas dadas aos itens C1T2b e C1T2c, que envolvem a realização de práticas de localização e orientação espaciais menos complexas, três delas são inadequadas - F4C1T2b, F1C1T2c e F4C1T2c -, ao passo que as 6 respostas dadas aos itens C1T3b e C1T3c, que envolvem a realização de práticas de localização e orientação espaciais mais complexas em relação àquelas dos dois itens anteriores, são inadequadas ou parcialmente adequadas. Consideremos essas respostas.

 

Algumas respostas ao item C1T2b

  1. ele se pasou do leste a oeste (F1C1T2b)
  2. o leste para oste (F2C1T2b)
  3. sentido leste para o oeste (F3C1T2b)
  4. foi para o leste (F4C1T2b)

 

Algumas respostas ao item CIT2c

  1. para o norte (F1C1T2c)
  2. note para su (F2C1T2c)
  3. sentido norte para o sul (F3C1T2c)
  4. do sul para o norte (F4C1T2c).

 

Algumas respostas ao item C1T3b

  1. Ir reto da letra A até a letra B (F3C1T3b)
  2. Reto (F4C1T3b)
  3. Não dá para ir apé porquê o cruzamento A está muito longe do cruzamento B (F1C1T3b)
  4. Tem que olha por os doi lado rápido e passa rápido. Você tem que olha os dois lado e passar (F5C1T3b).

 

Algumas respostas ao item C1T3c

  1. Sim o caminho esta serto não esta na contramão o caminho.
  2. Ele anda na contar mão para chegar mais rapido.

 

Quando as comparamos, verificamos que nenhuma dessas 8 respostas aos itens C1T2b e C1T2c – cujos comandos textuais solicitam simultaneamente usos verbal e informativo da linguagem – transgridem quaisquer de tais usos. O mesmo não ocorre, entretanto, para o conjunto das 6 respostas dadas aos itens C1T3b e C1T3c, cujos comandos textuais requeriam usos simultaneamente verbal e descritivo da linguagem.

À primeira vista, isso poderia estar sugerindo que as dificuldades das crianças em lidarem com USOS NORMATIVOS DA LINGUAGEM associados a práticas de orientação e deslocamento espaciais estariam diretamente associadas a uma outra dificuldade, provavelmente maior, de lidarem com usos descritivos em relação a usos informativos da linguagem. Isso porque, além de todas as 6 respostas dadas aos itens C1T3b e C1T3c não terem sido consideradas adequadas pelo fato de não significarem adequadamente as práticas situadas de localização e orientação espaciais requeridas, todas elas, de certo modo, também transgridem os usos descritivos da linguagem requeridos nesses itens.

Mas a natureza dessa transgressão precisa ser qualificada. A nosso ver, trata-se de uma transgressão de usos descritivos da linguagem induzida pela dificuldade manifesta pelas crianças de realização de práticas situadas de localização e orientação espaciais no mapa rodoviário apresentado no texto C1T3 como elemento mediador de tais práticas. Desse modo, pensamos que tal transgressão se deve menos à dificuldade de se usar descritivamente a linguagem do que à dificuldade manifesta pelas crianças de significarem adequadamente as práticas situadas de localização e orientação espaciais requeridas nos itens C1T3b e C1T3c.

A nosso ver, as estratégias de fuga de usos descritivos da linguagem que as crianças acionam em suas respostas parecem ocultar, voluntária ou involuntariamente, dificuldades de significarem tais práticas situadas de modos considerados adequados, uma vez que as suas respostas são significativas e inteligíveis, mesmo quando praticam a escrita de modos gramaticalmente inadequados em relação às “normas cultas” da língua portuguesa. De fato, vamos considerar novamente as 6 respostas dadas pelas crianças aos itens  C1T3b e C1T3c

 

Algumas respostas ao item C1T3b

  • Ir reto da letra A até a letra B (F3C1T3b)
  • Reto (F4C1T3b)
  • Não dá para ir apé porquê o cruzamento A está muito longe do cruzamento B (F1C1T3b)
  • Temque olha por os doi lado rápido e passa rápido. Você tem que olha os dois lado e passar (F5C1T3b).

 

Algumas respostas ao item C1T3c

  • Sim o caminho esta serto não esta na contramão o caminho.
  • Ele anda na contar mão para chegar mais rapido.

 

Pode-se constatar que em todas as 6 respostas acima, as crianças não descrevem o menor trajeto do ponto A ao ponto B explicitando os nomes das ruas que constituem tal trajeto. Entretanto, apenas na segunda e na quarta respostas acima - (F4C1T3b) e (F5C1T3b) -, elas parecem mostrar não ter utilizado o mapa do texto como elemento mediador de suas respostas. Já nas outras quatro respostas, o mapa do TEXTO 3 parece ter sido utilizado como elemento mediador dessas respostas. 

De fato, na primeira e na terceira respostas, ao utilizarem as letras A e B para se referir aos cruzamentos das ruas de partida e de chegada do menor trajeto, ou ainda, na quinta e sexta respostas, ao fazerem referência aos sentidos - mão ou contramão - dos percursos nas ruas representadas no mapa, essas quatro crianças mostram estar cientes da diferença entre realizar práticas de deslocamento e orientação espaciais DIRETAMENTE (isto é, quando os seus corpos efetivamente realizam tais práticas no espaço delimitado pelas ruas do centro de Campinas) e INDIRETAMENTE (isto é, quando os seus corpos realizam DIRETAMENTE práticas de leitura e escrita na língua portuguesa, bem como práticas de leitura de mapas rodoviários mediadas por rastros de memória de práticas de deslocamento e orientação espaciais DIRETAMENTE realizadas).

Esta nossa interpretação se reforça quando observamos a resposta (F5C1T3b) de uma dessas crianças, que parece não ter-se apercebido de tal diferença. De fato, quando essa criança - em vez de descrever explicitamente o menor trajeto utilizando o mapa - diz que é preciso olhar para os dois lados da rua e atravessá-la rapidamente, ela parece colar-se diretamente na situação de estar realizando uma prática situada direta de deslocamento e orientação espaciais nas ruas do centro de Campinas, situação esta que exigiria que o seu corpo se deixasse orientar por regras de segurança no trânsito, e não – como seria de se esperar no contexto da prova - por regras indicadas pelo mapa para se deslocar pelo menor trajeto.

A resposta dessa criança, embora considerada inadequada, é, porém, significativa e inteligível, visto que, diferentemente do contexto espacial de deslocamento e orientação em uma “rua real”, com muitos veículos trafegando em velocidade, no contexto espacial da folha de papel, na qual está desenhado o mapa, não há necessidade de se “olhar para os dois lados” e nem há risco de ser atropelado. Talvez seja também por essa razão que esta referida criança, que se coloca numa situação realista de orientação e deslocamento espaciais diretos, diferentemente das outras crianças que estamos aqui considerando, tenha desconsiderado o mapa como elemento mediador em sua resposta, uma vez que, em tal situação de “realismo vivencial” em que ela se coloca, consultas a mapas não seriam mesmo necessárias para se atravessar ruas conhecidas de um “espaço real” visto como familiar.

Analogamente, quando outra dessas crianças diz que “não dá para ir apé porquê o cruzamento A está muito longe do cruzamento B” (F1C1T3b), a estratégia de fuga de uso descritivo da linguagem que ela aciona, ainda que mediada pelo mapa, parece justificar-se com base na legitimidade que ela atribui ao critério do cansaço físico advindo de se percorrer uma distância por ela considerada longa, critério este que funciona como uma norma mais forte do que a de se fazer um uso descritivo da linguagem solicitado pelo comando textual desse item da prova.

Em outras palavras, as estratégias realistas de fuga de usos descritivos da linguagem acionadas por essas duas crianças não podem ser vistas como incapacidade ou falta de competência quer para fazerem usos descritivos da linguagem, quer para fazerem USOS NORMATIVOS DA LINGUAGEM. Isso porque, na realidade, o que parece ocorrer quando essas crianças acionam tais estratégias “realistas”de fuga é um deslocamento do jogo normativo de linguagem do referido texto da prova – o qual lhes fornece normas para significarem, descreverem e praticarem indiretamente o deslocamento e a orientação espaciais mediadas pelo mapa - para o jogo também normativo de linguagem do tráfego de pedestres e veículos no espaço físico delimitado do centro de Campinas, que lhes fornece normas – as quais se acham descritivamente manifestas em suas respostas - para significarem e praticarem, pelo movimento direto de seus corpos, o deslocamento e a orientação em tal espaço referido, no qual evitar o cansaço físico e evitar correr o risco de ser atropelado lhes aparecem como normas a serem seguidas, normas estas vistas como suficientes para substituírem a descrição do próprio percurso a ser feito.

Tais normas, propósitos e valores que dão sentido e orientam a realização das práticas de deslocamento e orientação espaciais nesses dois campos de atividade humana - o da cartografia rodoviária, verbalmente encenado no texto da prova, e o do tráfego de pedestres e veículos no espaço físico delimitado pelas ruas do centro de Campinas - são bem diferentes, ainda que mantenham entre si semelhanças de família.

Isso significa que os baixos desempenhos das crianças nos itens C1T3b e C1T3cda prova não podem - como costumeiramente se pensa - ser atribuídos a uma suposta falta de “vivência” ou de “experiência” das crianças na realização cotidiana de práticas situadas diretas de deslocamento e orientação espaciais em diferentes campos de atividade humana; e nem que, devido a esses baixos desempenhos, elas pudessem se mostrar incompetentes em realizar tais práticas, com êxito, em diferentes campos extraescolares de atividade humana.

Assim, do mesmo modo como não nos parece legítimo justificar os baixos desempenhos nos itens C1T3b e C1T3c da prova por uma alegada “falta de vivência” das crianças na realização de práticas de deslocamento e orientação espaciais,igualmente ilegítimo seria justificar, com base nesse mesmo argumento, os altos índices de desempenho médio apresentados por essas mesmas crianças nos itens C1T2b e C1T2c que lhes solicitaram a realização simultâneas dessas mesmas práticas sob os condicionamentos do mesmo campo de atividade da cartografia rodoviária.

Isso porque, se os itens C1T3b e C1T3c (nos quais elas apresentaram dificuldade máxima) lhes solicitam realizar indiretamente tais práticas “cotidianamente vivenciadas” no espaço urbano de Campinas, os itens C1T2b e C1T2c (nos quais elas apresentaram dificuldade mínima) lhes solicitam realizar indiretamente essas “mesmas” práticas que não são cotidianamente vivenciadas por essas crianças que, majoritariamente, provavelmente nunca viajaram de avião.

Por outro lado, tanto a percepção quanto a não percepção dessa diferença entre a realização indireta de uma prática escolar situada e a realização direta de práticas situadas de deslocamento e orientação espaciais em outros contextos - por parte dessas e de outras crianças que realizaram a prova -, parecem dever-se menos a uma suposta falta de competência das crianças em usarem descritivamente a linguagem do que a problematizações inadequadas ou, até mesmo, à ausência de problematizações, no contexto escolar, de práticas de deslocamento e orientação espaciais mediadas ou não pelo uso de mapas.

Isso não significa dizer que os mapas, enquanto artefatos culturais não sejam de fato mobilizados em práticas escolares na rede escolar municipal de Campinas. Ao contrário, no espaço de formação relativo à produção da prova, pudemos constatar que mapas costumam ser mobilizados em escolas da rede através de diferentes práticas, tais como: práticas de reprodução a mão livre do esboço da delimitação territorial do Brasil, do Estado de São Paulo e do município de Campinas; práticas estéticas de coloração de mapas previamente desenhados; práticas de identificação e distinção da posição e delimitação territorial de estados e municípios constituintes do território brasileiro; dentre outras.

Assim, em sessões do curso de formação, pudemos constatar a preocupação dos professores em se trabalhar com mapas na sala de aula, ainda que vistos, quase sempre, como um conteúdo curricular de aulas de Geografia, o que faz com que tais práticas acabem reproduzindo aquelas tradicionalmente conformes ao modo disciplinar de se mobilizar conhecimentos no âmbito da escola.

Desse modo, muito provavelmente, os baixos desempenhos das crianças nos itens C1T3b e C1T3c possam, em parte, ser explicados pelo modo não usual ou atípico como o mapa do texto C1T3 foi mobilizado na prova, relativamente a modos como mapas são usualmente mobilizados em diferentes contextos educativos da rede municipal escolar de Campinas.

Essa atipicidade diz respeito ao fato das práticas escolares mobilizarem mapas como conteúdos disciplinares estáticos, que não dialogam com diferentes práticas culturais indisciplinares que os mobilizam em diferentes CAMPOS E CONTEXTOS DE ATIVIDADE HUMANA, tais como, por exemplo, os campos da navegação marítima e aérea, dentre inúmeros outros.

No caso desse item da prova que estamos comentando, essa atipicidade se caracteriza por ter ele solicitado que as crianças fizessem um uso (pouco comum em contextos escolares) de um mapa extraído do google maps como elemento mediador de práticas simultâneas de deslocamento e orientação espaciais.

Essa conclusão também nos leva a admitir que os modos como as crianças lidam, com maior ou menor dificuldade, em relação às solicitações combinadas de usos normativos e usos imagéticos da linguagem não podem ser vistos como unívocos ou uniformes, como mostra o QUADRO IM1.

Nesse quadro, as médias dos índices percentuais médios de desempenho das crianças variam de 8,9% a 80,7% no universo restrito e de 5,4% a 73,9% no universo ampliado.

Já o QUADRO IM3 mostra que as médias dos desempenhos percentuais médios dos 8 itens da prova que solicitam usos normativos simples ou compostos associados a usos imagéticos simples da linguagem, no universo restrito, variam, respectivamente, de 61,4% a 25,8%, conforme consideramos desempenhos flexibilizado e não flexibilizado e, no universo ampliado, respectivamente, de 47,0% a 20,5%, conforme consideramos desempenhos flexibilizado e não flexibilizado.

Esses desempenhos quantitativos oscilantes não podem ser adequadamente significados em termos absolutos, mas sim quando relacionados aos tipos de imagens mobilizadas, quer nos textos, quer nos comandos textuais a que esses 8 itens se referem.

Nesse sentido, é importante observar que, dentre os 8 itens da prova que solicitam usos normativos simples ou compostos associados a usos imagéticos simples da linguagem, apenas nos itens C1T4a e C2T1b as imagens mobilizadas, respectivamente, no texto ou no comando textual, não são mapas.

Com base no QUADRO IM1, podemos ter acesso às médias dos índices percentuais médios de desempenho das crianças apenas nesses dois itens que não mobilizaram outras imagens que não mapas. Tais médias variam de 46% a 30%, no universo restrito, e de 41,2% a 26,5%, no universo ampliado, conforme consideramos, respectivamente, os desempenhos flexibilizado e não flexibilizado das crianças nesses itens.

Por sua vez, também com base no QUADRO IM1, quando calculamos as médias dos índices percentuais médios de desempenho das crianças nos outros 6 itens que mobilizaram imagens de mapas, verificamos que elas variam, no universo ampliado, de 42,6% a 25,6% e, no universo restrito, de 50,0% a 28,8%, conforme consideramos, respectivamente, os desempenhos flexibilizado e não flexibilizado das crianças nesses itens.

Como se percebe, tais números nos mostram uma variação pouco expressiva entre os desempenhos médios das crianças em relação a itens da prova que solicitam usos normativos combinados com usos imagéticos da linguagem, quer quando tais itens mobilizam imagens que são mapas, quer quando mobilizam outras imagens. Isso sugere que as dificuldades das crianças em lidarem com tais usos simultaneamente imagéticos e normativos da linguagem se devem menos à natureza das próprias imagens mobilizadas nos textos da prova do que em lidarem com as solicitações de USOS NORMATIVOS DA LINGUAGEM com base nessas imagens.

Passemos, então, a considerar os itens C1T4a e C2T1b, por serem eles os dois únicos itens da prova que solicitam usos normativos e imagéticos da linguagem com base em imagens que não são mapas.

O item C1T4a solicita às crianças definirem, em cada um dos quatro casos, a posição espacial de fotógrafos que teriam feito, em épocas diferentes, cada uma das quatro fotos do Largo do Rosário, no centro de Campinas, mobilizadas no enunciado dotexto C1T4.

Um dos objetivos presentes no Gabarito do item “a” do Texto 4 do Caderno 1 (GC1T4a) é verificar como os alunos usam a linguagem em resposta a um comando textual que lhes solicita usos simultaneamente normativo, verbal e descritivo da linguagem, a partir de um texto em que se faz usos simultaneamente imagético e narrativo (memorialístico) da linguagem, não fazendo, porém, nem uso normativo e nem alegórico da linguagem. O outro objetivo, também presente no GC1T4a, é verificar como os alunos significam práticas de localização espacial no campo de atividade humana do urbanismo público.

Vamos examinar primeiramente algumas respostas consideradas adequadas ou inadequadas das crianças ao item C1T4a:

  1. F1: em pé normal; F2: em um avião; F3: em um avião; F4: De juelho no chão. (F6C1T4a).
  2. F1: cidade; F2: Igreja; F3: prédio; F4: João, Ivone, Ok. (F13C1T4a).
  3. F1: já estava no céu; F2: estava morto já; F3: estava com uns 80 anos; F4: estava vivo como estou hoje. (F18C1T4a).

A primeira dessas respostas foi considerada adequada em relação aos critérios presentes no gabarito GC1T4a, relativo a esse item da prova.

De acordo com o gabarito relativo a esse item, seriam consideradas adequadas respostas que indicassem que o aluno percebe, em cada uma das 4 fotos, que as cenas nelas retratadas variam em função de pelo menos um dos 3 eixos-referenciais - x (qualquer rua tomada como referência no entorno do Largo), y (qualquer outra rua, no entorno do Largo, que cruze, perpendicularmente ou não, a primeira rua tomada como referência) e z (altura do fotógrafo em relação ao plano do chão) - do espaço físico que definem, de maneira unívoca, a posição do fotógrafo no entorno do Largo do Rosário.

Como podemos perceber, a criança que deu a primeira das respostas acima contempla o critério de adequação estabelecido pelo gabarito para as 4 fotos, ainda que, na falta de uma terminologia técnica em conformidade à linguagem da geometria projetiva, essa criança crie a sua própria forma de expressão para descrever adequadamente a relação entre a posição do fotógrafo no espaço físico e as cenas retratadas nas quatro fotos do texto C1T4.

Quando ela diz que, na foto 1, o fotógrafo está “em pé normal”, podemos interpretar esse modo de significar usando expressões da geometria projetiva, como querendo dizer que o fotógrafo, quando tirou a foto 1, estaria posicionado na mesma altura da linha do horizonte, que é a reta imprópria ou reta no infinito que delimita o “encontro” do “plano” do chão com o “plano” do céu. Em outras palavras, que o fotógrafo estaria simplesmente em pé e em frente à praça, posição esta que, no entorno do Largo do Rosário, no centro de Campinas, seria definida como algum lugar da Rua Barão de Jaguara, ou em algum lugar do Largo situado numa paralela a essa rua.

Essa mesma criança diz que o fotógrafo estaria “num avião”, tanto quando tirou a foto 2 quanto a foto 3. De fato, embora as fotos 2 e 3 sejam fotos tiradas de duas posições distintas acima da linha do horizonte – e isso é possível perceber visualmente pela maior distância em que se encontram carros e pessoas da foto 3 em relação às pessoas da foto 2 -, a criança, parecendo ignorar a necessidade de se distinguir essas duas posições, afirma simplesmente que ambas as fotos foram tiradas como se o fotógrafo estivesse “em um avião”.

Quando ela diz, para as fotos 2 e 3, que o fotógrafo se encontrava em um avião quando as tirou, ela fornece a sua resposta adequada, provavelmente com base em semelhanças por ela estabelecidas entre modos de se praticar o espaço físico através de práticas culturais diversas de visualização espacial da paisagem, tais como quando, por exemplo, ela realiza uma viagem ao longo da qual ela percebe as mutações da paisagem em função da variação de altitude do veículo ao longo do percurso: o mar visto do alto da serra; cenas diversas vistas do alto de uma montanha, ou mesmo, da paisagem vista de um avião em movimento.

No caso particular das fotos 2 e 3, essa resposta adequada da criança provavelmente se baseia na concordância ou ajuste que o seu corpo estabelece entre “avistar o Largo do Rosário de um avião” e os aspectos que tomam os objetos que compõem as imagens quando vistos sob esse ponto de vista. De fato, nas fotos 2 e 3, é possível avistar os telhados das casas, as pessoas muito pequenas em relação à altura das edificações, os capôs dos automóveis, as copas das árvores etc.

Mas quando dizemos “semelhanças”, trata-se de semelhanças entre formas de se praticar o espaço, e não entre estímulos sensoriais ou percepções espaciais supostamente diretas e independentes de práticas de visualização espacial ou outras que estão sendo diretamente realizadas.

A criança também dá uma resposta considerada adequada quando diz que o fotógrafo, ao tirar a foto 4, estava “de joelhos”. Isso porque, “estar de joelhos” poderia ser visto como o modo pelo qual essa criança significa verbalmente o aspecto que tomam os objetos que compõem a paisagem do Largo do Rosário, quando produzida por uma câmara fotográfica situada abaixo da linha do horizonte. 

E, neste caso, a criança parece ter-se dado conta da sutileza de que uma mesma cena pode aparecer retratada de modos diferentes, em função da maior ou menor proximidade do fotógrafo em relação à cena, ou então da maior ou menor altura em que ele se posiciona em relação à linha do horizonte, uma vez que, mesmo estando no plano do chão, o fotógrafo poderia ter-se abaixado, isto é, ter-se ajoelhado no chão, como diz a criança, produzindo, portanto, uma foto diferente da foto 1.

Essa criança parece ter-se dado conta dessa distinção, ainda que ela não seja facilmente percebida por uma mera inspeção visual comparativa das fotos 1 e 4. Isso porque tais fotos do Largo do Rosário participam de temporalidades diferentes, de modo que as cenas retratadas não são mais, a rigor, as mesmas, uma vez que objetos da paisagem urbana que essas fotos retratam mudaram completamente, tornando difícil uma distinção meramente visual – por parte de um observador que não tivesse presente a memória da cidade - da distância entre o fotógrafo e a cena retratada, dado que não é mais possível uma identificação meramente visual de um mesmo foco arquitetônico de referência para se fazer essa avaliação.

Assim, muito provavelmente por não dispor da informação historiográfica acerca das transformações arquitetônico-urbanísticas por que passou o entorno do Largo ao longo do tempo em que as fotos 1 e 4 foram tiradas, resta à criança dizer que o fotógrafo “ajoelhou-se”.

Entretanto, mesmo não dispondo de informações historiográficas ou geométrico-projetivas “necessárias” para situar com mais precisão a posição do fotógrafo no entorno do Largo e expressá-la verbalmente com mais rigor - isto é, mesmo não dispondo de conteúdos disciplinares pertinentes de História, de Geografia e de Matemática para expressá-la verbalmente com mais rigor -, essa criança demonstra ter feito um uso descritivo da linguagem para significar essa posição, como o requeria um dos objetivos do item C1T4a, com base em um uso informativo-visual da linguagem feito no texto imagético que mobiliza as fotografias.

Nesse sentido, tal criança, ao fornecer uma resposta considerada adequada para esse item, demonstra ter mobilizado, para isso, conteúdos não disciplinares que poderiam ser vistos como tão ou mais adequados do que os conhecimentos disciplinares requeridos.

Que conhecimentos não disciplinares seriam esses? Pensamos serem aqueles que dizem respeito à prática de fotografar. E, no caso do item C1T4a, certa competência na prática de fotografar mostra-se mais decisiva e pertinente para o fornecimento de uma resposta adequada. Isso porque significar adequadamente a posição do fotógrafo é saber dizer acerca de como o espaço físico é diretamente praticado com base em um propósito especificado e instrumentos de mediação (no caso, uma máquina fotográfica ou instrumentos contemporâneos análogos que desempenham a mesma função) em conformidade a esse propósito; e não simplesmente dizer como práticas de localização espacial, práticas fotográficas e a fotografia poderiam ou não ser mobilizadas como conteúdos conceituais através de práticas escolares disciplinares, que só podem mobilizá-las indiretamente através de práticas verbais, isto é, das práticas da leitura, da escrita ou da fala.

Entretanto, não podemos nos esquecer, por um lado, de que ao solicitar que a criança use a linguagem para descrever as posições do fotógrafo, o que, a rigor, o comando textual do item C1T4a lhe solicita é que ela realize uma prática de localização espacial de um objeto – no caso, uma câmara fotográfica - no espaço físico, unicamente com base na informação imagético-fotográfica da cena produzida por esse objeto.

É claro que para usar adequadamente a linguagem com o propósito de significar adequadamente essa prática específica de localização espacial, é irrelevante que a criança disponha de conhecimentos historiográficos ou memorialísticos acerca das transformações arquitetônico-urbanísticas pelas quais passou o Largo do Rosário, num certo período de tempo, dado que significação igualmente adequada teria sido por ela produzida para uma única foto que retratasse qualquer outra cena que não o Largo do Rosário. Porém, é indispensável que a criança disponha de conhecimentos acerca da prática de fotografar, bem como sobre práticas de localização de objetos no espaço físico.

Por outro lado, conhecimentos acerca de práticas fotográficas e de localização espacial se mostram completamente irrelevantes - o mesmo não ocorrendo para conhecimentos historiográficos ou memorialísticos acerca das transformações arquitetônico-urbanísticas pelas quais passou o Largo do Rosário, num certo período de tempo – quando o comando textual do mesmo item C1T4a lhe solicita – tal como o item C1T4b o faz – produzir uma redação que conte as mudanças ocorridas no Largo do Rosário, ao longo do tempo, para ser submetida a um concurso, promovido pelo jornal da cidade, no qual será premiada a melhor redação.

Neste último caso, a criança precisará fazer um uso narrativo da linguagem para significar adequadamente práticas urbanístico-paisagísticas, práticas de gestão do espaço e do patrimônio histórico públicos, sob os condicionamentos de um contexto de competição literária. E, neste caso, para significar adequadamente tais práticas é imprescindível que a criança mobilize informações acerca de nomes de edifícios, monumentos, ruas, prefeitos, políticos, artistas, paisagistas etc., bem como acerca de episódios historiográficos envolvendo a cidade de Campinas e o Largo do Rosário, para o que conhecimentos historiográficos escolares ou extraescolares sobre essas práticas de gestão urbanística desempenham papel fundamental.

Nesse sentido, é curioso notar que embora os professores que participaram, durante um ano, do curso de formação para a produção da PROVA CAMPINAS 2010, tivessem dito que fazia parte do projeto pedagógico das escolas da Rede Municipal de Campinas a inclusão, nos planejamentos anuais dos quartos anos do Ensino Fundamental, de conhecimentos geopolíticos e historiográficos acerca da cidade de Campinas, os desempenhos percentuais médios das crianças nos itens C1T4a e C1T4b, no universo restrito não flexibilizado, foram, respectivamente, 21,9% e 14,2% em respostas adequadas, ao passo que, no universo ampliado não flexibilizado, foram, respectivamente, 19,0% e 10,7% em respostas adequadas. Já os desempenhos percentuais médios das crianças nesses mesmos itens, no universo ampliado flexibilizado, foram ambos iguais a 38,2% em respostas adequadas ou parcialmente adequadas. Apenas no universo restrito flexibilizado essa tendência se inverte, mas com variação pouco expressiva: 44,0% e 51,9% nos C1T4a e C1T4b, respectivamente, em respostas adequadas ou parcialmente adequadas. 

Tais índices, embora atestem desempenhos insatisfatórios em ambos os itens em consideração, sugerem também que o desempenho de parte expressiva das crianças na significação de práticas pouco ou nunca problematizadas na escola – como o são as práticas de localização espacial e práticas de fotografar - é maior do que em outras de investimento escolar alegado.

É interessante observar também que a segunda das três respostas (F13C1T4a) ao item C1T4a que estamos aqui focalizando foi considerada inadequada, quer pelo fato de transgredir o uso descritivo da linguagem solicitado pelo comando textual, como também por não significar adequadamente a prática de localização espacial.

Talvezpor nunca ter explorado relações entre a prática de fotografar e a de localização espacial do fotógrafo em relação a cenas a serem retratadas, a criança que forneceu essa resposta parece simplesmente citar aleatoriamente elementos visualizáveis nas fotografias, como o são, por exemplo: cidade, igreja, prédio e pessoas às quais ela nomeia arbitrariamente.

Já a resposta 3 (F18C1T4a), também considerada inadequada, não foge à tentativa de significar uma prática de localização espacial. De fato, a criança que deu essa resposta afirma que, respectivamente, para cada uma das quatro fotos, o fotógrafo: “já estava no céu”; “estava morto já”; “estava com uns 80 anos”; “estava vivo como estou hoje”. 

Porém, diferentemente das respostas 1 e 2, que elegem, para isso, elementos identificáveis nas paisagens urbanas retratadas nas fotos, a criança da resposta 3, surpreendentemente, recorre à estratégia de eleger recortes temporais distintos para caracterizar a posição espacial do fotógrafo em cada um desses momentos temporais.

Essa estratégia, embora impraticável em relação à contemplação do propósito visado pelo comando textual, demonstra, com certa originalidade e humor, conhecimento da sequência temporal das fotos. Ao fazer esse deslocamento temporal para significar uma prática de localização espacial, essa criança acaba transgredindo tanto o uso descritivo quanto o uso normativo da linguagem, solicitados pelo comando textual, uma vez que ela, a rigor, não descreve a posição espacial inequívoca do fotógrafo para nenhuma das quatro fotos, mas simfaz um uso informativo da linguagem para fornecer meramente dados imaginários estimados acerca das idades de um mesmo de vários fotógrafos em cada tomada fotográfica temporalmente distinta do Largo do Rosário.

Entretanto, essa transgressão não pode ser vista como uma incompetência dessa ou de outras crianças, quer para significarem práticas de localização espacial ou outras práticas quaisquer, quer para fazerem usos normativos associados a usos imagéticos da linguagem em outras situações.

Para investigar mais a fundo essa nossa última afirmação, passemos a comentar, em seguida, algumas respostas das crianças ao item C2T1b da prova, o qual lhes solicita significarem, com base na definição normativa de mata ciliar apresentada no texto C2T1, uma prática de preservação de cursos d’água, mediante um exame comparativo visual das fotos apresentadas nesse item. Isso porque, como já assinalamos anteriormente, nesse item da prova as crianças mostraram um desempenho médio inferior em relação ao item C1T4a.

Um dos objetivos presentes no gabarito GC2T1b, relativo ao item C2T1b da prova,é verificar como os alunos significam um comando textual – o C2T1b - que solicita usos simultaneamente normativo, verbal e explicativo da linguagem, a partir de um texto – o C2T1 - que faz usos imagético e informativo da linguagem, não fazendo, porém, nem uso normativo e nem uso alegórico da linguagem. O outro objetivo presente no GC2T1b é verificar como os alunos significam práticas de preservação de cursos d’água no campo de atividade humana de gestão ambiental.

Como indicam (QUADRO N) os desempenhos percentuais médios referentes aos itens C1T4a e C2T1b, as crianças apresentaram maior dificuldade em lidar com USOS NORMATIVOS DA LINGUAGEM para explicarem suas opções por uma das imagens na qual o curso d’água estaria preservado do que para descreverem a posição espacial do fotógrafo que teria produzido cada uma das fotos do C1T4.

Provavelmente, essa maior dificuldade possa ser explicada com base no fato de que a norma que condiciona a resposta da criança, no caso do fotógrafo, deve ser inferida a partir da relação entre a visualização direta e exclusiva das fotos e as correspondentes posições do fotógrafo no espaço físico no entorno do Largo do Rosário, em Campinas, ao passo que, no caso do curso d’água, a norma que condiciona a resposta não pode ser inferida direta e exclusivamente a partir de uma inspeção visual comparativa das duas imagens, mas com base na relação entre a visualização dessas imagens e a definição verbal de mata ciliar presente no texto C2T1.

Nesse sentido, ainda que tanto o caso do fotógrafo quanto o da mata ciliar requeiram usos normativos associados a usos imagéticos da linguagem, a diferença é que, no caso da mata ciliar, fazer um uso normativo adequado da linguagem requer uma leitura e compreensão adequadas da definição de mata ciliar, apresentada no texto C2T1.

A fim de investigar essa nossa conjectura sobre as razões do desempenho inferior das crianças no item C2T1b, relativamente ao item C1T4a, vamos considerar, em seguida, algumas respostas ao item C2T1b:

  1. A foto 2. Porque a foto 1 está com a água mais suja e a mata ciliar está mais longe do rio. (F4C2T1b).
  2. A foto 2 está pesevada porque tem a mata ciliar que a protege. (F9C2T1b).
  3. A numero 2. Porque pecebes que ela foi preservada e, contenua na mesma e não foi desmatada. (F11C2T1b).
  4. A numero dois. Porque bersepese que a mata condenua a mesma. (F12C2T1b).
  5. A numero 2. Porque persebes que a mata continua mesma. (F13C2T1b).
  6. Por que a foto 1 o rio não esta protegido por que também a foto 1 tem baracos. (F19C2T1b).
  7. Eu aso que a foto dois foi mais prezervada porque tei mais arvore e orio não eponuido.  (F24C2T1b).
  8. A foto dois. Por que ela está mais bonita mais bencuidada e a outra esta toda barenta a água toda sucha. (F6C2T1b).
  9. A foto 1. Porque ela não tem a mata para sujar e o testo 1 a água está preservada. (F16C2T1b).
  10. A foto 1. Porque a foto 1 aparece a água suja e usada é diferente da foto 2 que está limpa. (F17C2T1b).
  11. Neinua das águas foi preservada. (F22C2T1b).

 

Desse conjunto de 11 respostas, apenas as três últimas foram consideradas inadequadas. Como se pode observar, as crianças que deram as respostas 9 e 10 fazem um uso explicativo da linguagem, como requer o gabarito (GC2T1b) relativo ao item C2T1b, ao passo que a criança da resposta 11 apenas responde de modo inadequado à primeira parte do comando textual, omitindo-se em fazer um uso explicativo da linguagem para justificar a sua resposta.

Porém, nenhuma dessas três respostas significa adequadamente a prática de preservação de cursos d’água, como requer o gabarito (GC2T1b).  Além disso, podemos observar que embora as respostas 9 e 10 façam usos explicativos da linguagem, a resposta 9 argumenta inadequadamente, recorrendo à definição de mata ciliar, ao passo que a resposta 10 argumenta inadequadamente, sem recorrer a essa definição de mata ciliar apresentada no texto C2T1.

De fato, quando a criança da resposta 10 justifica a eleição da foto 1porque nela a água aparece suja e usada, ao passo que na foto 2a água lhe parece limpa, é provável que, para isso, ela tenha acionado meramente uma estratégia de comparação visual direta de elementos presentes nessas fotos, associando água visualmente limpa ou transparente com mata ciliar e curso d’água preservados ou não. Nesse sentido, mesmo que essa criança tivesse feito a opção correta pela foto 2, o argumento que ela emprega continuaria sendo inadequado, pelo fato de não ter utilizado o critério normativo presente na definição de mata ciliar para justificar quer a eleição da foto 1, quer a da foto 2.

Algo diferente ocorre com o argumento apresentado pela criança da resposta 9, de que, na foto 1, o curso d’água estaria preservado porque, em tal foto, não há mata para sujar a água. Neste caso, esse argumento, embora considerado inadequado, parece recorrer à definição de mata ciliar, interpretando-a, porém, de um modo inadequado. De fato, enquanto a definição diz que a condição para a preservação de cursos d’água é a de “não destruição da mata ciliar”, o argumento dessa criança, invertendo esse critério, parece dizer que é justamente a ausência da mata que preservaria a água limpa e o curso d’água preservado.

As respostas 7 (F24C2T1b) e 8 (F6C2T1b), por sua vez, foram consideradas parcialmente adequadas, por terem eleito a foto 2 como a que apresenta o curso d’água preservado. Porém, tais respostas, embora façam usos explicativos da linguagem, os argumentos a que essas explicações recorrem também se baseiam não na definição de mata ciliar, mas tão somente em um exame comparativo meramente visual de elementos presentes nas fotos. De fato, o argumento apresentado pela criança da resposta 7 (F24C2T1b) é que, na foto 2, há mais árvores e o rio não está poluído. Já o argumento apresentado pela criança da resposta 8 (F6C2T1b) para a eleição da foto 2, é que nela a água estaria “mais bonita mais bem cuidada”, ao passo que na foto 1, a água “está suja e barrenta”.

Finalmente, todas as 6 primeiras respostas acima consideradas adequadas não só fazem usos explicativos da linguagem para significar a prática de preservação de cursos d’água, como também a significam com base em argumentos considerados adequados, porque baseados na definição apresentada. De fato, os argumentos apresentados pelas crianças são:

  • a mata ciliar está mais longe do rio;
  • a foto 2 tem a mata ciliar que a protege;
  • porque na foto 2 não houve desmatamento;
  • porque, na foto 2, a mata continua a mesma;
  • porque, na foto 1, o rio não está protegido pelo fato de haver barrancos.

 

Como se observa, tais argumentos recorrem, direta ou indiretamente, ao critério normativo de preservação de cursos d’água pela não destruição da mata ciliar,apresentado na definição presente no texto C2T1.

Embora nesse conjunto selecionado de 11 respostas das crianças a esse item da prova (C2T1b) a maior parte delas tenha sido considerada adequada e que nelas se faça um uso adequado da definição para lidar com usos imagéticos da linguagem, não é isso que mostra o desempenho médio das crianças nesse item da prova (C2T1b). De fato, como mostra o QUADRO IM1, os desempenhos percentuais médios das crianças no item C2T1b foram: 48,0% e 37,0% nos universos restrito flexibilizado e não flexibilizado, respectivamente; 44,1% e 34,0% nos universos ampliado flexibilizado e não flexibilizado, respectivamente.

Já assinalamos anteriormente que tais desempenhos são ligeiramente inferiores àqueles apresentados pelas crianças em relação ao item C1T4a, que lhes solicita fazer uso normativo da linguagem a partir de um texto que faz uso imagético da linguagem, porém não com base em uma definição, como é o caso do item C2T1b, em que a eleição da imagem adequada deve basear-se na definição de mata ciliar apresentada no texto.

Essa maior dificuldade apresentada pelas crianças em relação a USOS NORMATIVOS DA LINGUAGEM baseados em definições explícitas se torna mais aparente no item C2T5a, cujo comando textual requer, agora, que se faça não mais um uso imagético, mas sim verbal da linguagem, combinado a um uso normativo da linguagem com base em uma definição, no caso, a definição de bullying.

Nesse item, as crianças apresentaram o menor desempenho médio nos universos restrito e ampliado não flexibilizados - 5,8% e 4,3%, respectivamente -, dentre os demais itens em que são feitos usos normativos associados a usos verbais compostos da linguagem, como mostra o QUADRO VB4.

Porém, quando nos atentamos para o desempenho percentual médio flexibilizado das crianças nesse mesmo item C2T5a, verificamos que ele se eleva consideravelmente para 58,2%, no universo restrito, e para 42,5% no universo ampliado. Essa elevação parece não poder ser generalizada ou vista como uma suposta maior facilidade por parte das crianças em lidarem com usos normativos associados a usos verbais da linguagem, relativamente a usos normativos associados a usos imagéticos da linguagem.

Neste caso particular, uma explicação possível para essa elevação de desempenho pode ser buscada nos critérios de correção presentes no gabarito GC2T5a relativo ao item C2T5a da prova, os quais demarcam, expressam e caracterizam respostas consideradas adequadas relativamente a outras consideradas parcialmente adequadas ou inadequadas.

Com base nesses critérios, os exemplos e não-exemplos considerados adequados de bullying deveriam indicar uma mesma prática, ou entãopráticas distintas (genéricas ou específicas) que pudessem ou não contemplar, mesmo que não explicitamente, as quatro seguintes condições da definição de bullying presentes no texto C2T5: ato de violência; intencionalidade do ato; repetição do ato; objetivo de intimidar ou agredir associado ao ato. Exemplos de respostas dessa natureza dadas pelas crianças e que foram consideradas adequadas são:

  1. Quando é bullying é um grupo que tira sarro de um grupo que tira sarro de uma pessoa que é gorda quando não é bullyng é pessoas que estão brincando com a pessoa gorda e se divertindo. (F32C2T5a).
  2. Que alguns amigos pode estar brincando de lutinha e pode se tornar em bullying. E outros amigos pode acertar um soco no outro e pedir desculpa e isso não se torna em bullying. (F14C2T5a).
  3. Bulliyng – Fazer chorar, O que não é bullying - brincadeiras sem intenção de magoar. (F23C2T5a).
  4. Bullyig – agressão verbal. O que não é bullying – brincadeira sem intenção de magoar. (F6C2T5a).

 

Por sua vez, as respostas consideradas parcialmente adequadas permitem às crianças indicar uma ou mais práticas (específicas ou genéricas) que pudessem se tornar bullying de acordo com a definição, sem, entretanto, indicar explicitamente como essas práticas poderiam ou não se tornar bullying.

Nessas condições de maior flexibilidade possibilitadas pelas respostas consideradas parcialmente adequadas, a prática de xingar um colega, por exemplo, que tivesse sido dada como resposta - por ser amplamente realizada em contextos cotidianos, escolares ou extraescolares vivenciados pelas crianças -, poderia ter sido dada pela criança, sem que ela precisasse ter recorrido à definição de bullying para indicar esse exemplo como resposta ao item.

Desse modo, os critérios de correção do referido item permitiam à criança dar respostas consideradas parcialmente adequadas, sem que ela tivesse ciência de estar fazendo um uso normativo da linguagem que contemplasse as condições dadas pela definição. Exemplos de respostas dessa natureza, dadas pelas crianças, e consideradas parcialmente adequadas são:

  1. Justin Bister (?) é um menino famoso e já sofreu bullying as pessoas chamam ele de justin Biba, Justin Bixa, e até princesa do japão já sofreu bullying por ser mais gordinha, ela chegou. (F17C2T5a).
  2. Uma brincadeira pode se causar em uma briga: porradas, tapas, chutes e isso é um caso de “Bullying”.(F22C2T5a).
  3. Eu conheço uma pessoa que foi vitima de bullying ela foi acusada de estar gravida, só por que estava acima do peso. (F30C2T5a).
  4. Um caso de gordo, diferença de cor, de religião, de cutura e de classe social. (F31C2T5a).
  5. Ola o bullying é uma brincadeira de mau gosto sem eu fosse Presidente do brasil eu pois uma lei pra acabar com essa poucavergonha. (F35C2T5a).
  6. Se a brincadeira começa bosta é claro que vai terminar bosta mais se a brincadeira não é de violência só chingando pode dar briga mais nem tanto. (F10C2T5a).
  7. O “Rodeio das Gordas”; Pega-Pega Obesa-bullyng;  Gai – brincadeira; Palito de dente – bullyng; Vini – brincadeira. (F2C2T5a).
  8. Brincadeiras de: bater, xingar, maltratar e outros parecidos, é bullying. Brincadeiras de: falar as qualidades do colega, falar as coisas que gosta, não é bullying. (F3C2T5a).

O mesmo não ocorre para o caso das respostas consideradas adequadas pelos critérios do gabarito. Assim, no caso particular do item C2T5a da prova, mais do que uma suposta facilidade demonstrada pelas crianças em lidarem com USOS NORMATIVOS DA LINGUAGEM associados a usos verbais, a flexibilidade do gabarito poderia ser invocada para explicar a elevação considerável do desempenho médio das crianças do universo de respostas não flexibilizadas para o de flexibilizadas.

Por outro lado, poderia ser dito também que a maior dificuldade por elas apresentada, no universo não flexibilizado, em lidar com usos normativos verbais se deve não propriamente a uma dificuldade com a prática da leitura de um texto que faz referência à prática de bullying, mas a uma dificuldade de aplicar critérios normativos presentes na definição de bullying mobilizada no texto para a regulação de práticas de bullying diretamente vivenciadas em contextos diversos, escolares ou extra-escolares.

Tal dificuldade não poderia assim ser vista como uma mera dificuldade para se fazer usos classificatórios da linguagem, mas sim para se fazer usos classificatórios com base em regras ou critérios presentes em uma definição expressa, por escrito, na língua portuguesa. Exemplos de respostas dessa natureza dadas pelas crianças e consideradas inadequadas são:

  1. Olha nunca fui vitima de Mas. Eu ouvi falar que uma famosa já foi vitima. (F13C2T5a).
  2. Caso de Bullying – Brincadeira de menina pega menino. Caso de Brincadeiras – Pega-Pega com a sala inteira. (F15C2T5a).
  3. Quando chama de gorda, magra, neguinho, fedorento (F16C2T5a).
  4. Perceguições. (F21C2T5a).
  5. Brincadeira de pega pega pode virar bullying já a de domino não. (F29C2T5a).
  6. Não andar de bicicleta quando está frio. (F33C2T5a).
  7. O caso da professora chamada Mara Cyrino. (F41C2T5a).
  8. A brincadeira hoje não pode virar caso de bullying. (F28C2T5a).
  9. Chingar, caso sexual e física e etc. (F38C2T5a).
  10. Poderia fica sozinho icasa ai o otro ami ivoce vaila e bate nacara do amigo vaila e bate na cara. (F4C2T5a).
  11. Pode ir incoquer posto é canser canser não tem cura. (F5C2T5a).
  12. De chama a pessoas gordas e muito magras (F11C2T5a).
  13. Quanto dois pessoas prigam na rua ou na escola. E um deles chama ums amigos para bater em outro. (F12C2T5a).

De fato, quando comparamos os desempenhos médios das crianças nos itens C2T5a - no qual se requer um uso normativo verbal associado a um uso classificatório da linguagem - e C2T5b – no qual se requer um uso verbal explicativo da linguagem não associado a um uso normativo -, no universo restrito não flexibilizado, esses índices variam, respectivamente, de 5,8% a 59,6%, o que mostra que a dificuldade reside bem mais em USOS NORMATIVOS DA LINGUAGEM baseados em definições do que em usos da linguagem que não são normativos ou que são normativos, mas não baseados em definições.

É por essa razão que, no universo restrito flexibilizado de ambos os itens - em que os critérios de inclusão de respostas na categoria de parcialmente adequadas não requeriam a aplicação de normas de uma definição -, a variação de desempenho nesses dois itens não se mostra tão expressiva: vai de 58,2% a 68,5%.

Dado serem as práticas conceituais escolares envolvendo matemática práticas estritamente normativas, que podem ser ensinadas e aprendidas independentemente de estarem associadas a diferentes contextos de atividade humana, e dada a constatação reiterada da dificuldade que as crianças enfrentam para aprender a matemática escolar, é interessante avaliar o desempenho das crianças nos itens da prova relativos a práticas conceituais envolvendo matemática escolar comparativamente a outros itens da prova que requeriam USOS NORMATIVOS DA LINGUAGEM, não envolvendo tópicos específicos da matemática. É o que passaremos a fazer, em seguida.

Quando observamos o QUADRO N6, que expressa as médias dos desempenhos percentuais médios das crianças relativas a modos de significar uma mesma prática cultural - ou práticas conceituais diferentes envolvendo matemática escolar - em função de diferentes gêneros de usos da linguagem, podemos verificar que as práticas que apresentaram às crianças maior dificuldade para serem significadas adequadamente, no universo restrito, se apresentam na seguinte ordem:

  • práticas de delimitação territorial. (15,9%)
  • prática de localização espacial (21,9%)
  • práticas conceituais envolvendo matemática escolar (22,4%)
  • práticas de deslocamento espacial (29,4%)
  • práticas de orientação espacial (30,9%)
  • práticas de preservação de cursos d’água (32,2%)
  • práticas de bullying (32,7%).

 

Também no universo ampliado, as práticas que apresentaram às crianças maior dificuldade para serem significadas adequadamente, se apresentam na mesma ordem que a do item anterior:

  • práticas de delimitação territorial (12,1%)
  • práticas conceituais envolvendo matemática escolar (16,2%)
  • prática de localização espacial (19,0%)
  • práticas de orientação espacial (24,0%)
  • práticas de bullying (26,2%)
  • práticas de preservação de cursos d’água (28,6%)
  • práticas de deslocamento espacial (52,3%)

 

Se tivermos presente que os itens da prova relativos a práticas conceituais envolvendo matemática escolar são mais frequentes do que aqueles relativos às demais práticas envolvendo USOS NORMATIVOS DA LINGUAGEM, podemos concluir que os USOS NORMATIVOS DA LINGUAGEM que solicitam às crianças significar práticas conceituais envolvendo matemática escolar foram os que apresentaram maior dificuldade para as crianças, ainda que tais práticas possam ser vistas como tipicamente escolares e reiteradamente trabalhadas pelos professores.

De fato, no universo ampliado, a média dos desempenhos percentuais médios das crianças nessas práticas é apenas de 16,2%. Além disso, como podemos observar no QUADRO N6, a maior média de desempenho percentual médio de respostas adequadas das crianças nos 10 itens da prova que integram essas práticas conceituais envolvendo matemática escolar, é de apenas 33,3% no universo restrito e 28,4% no universo ampliado, o que reforça a nossa constatação de maior dificuldade das crianças em usarem normativamente a linguagem para significar práticas conceituais envolvendo matemática escolar.

Dentre tais práticas, o item no qual as crianças apresentaram o menor desempenho médio de respostas adequadas foi o C1T5e, cujo comando textual lhes solicitava significar uma prática algorítmica da divisão, que costuma ser exaustivamente trabalhada na escola.  Com base no QUADRO N8, vamos, em seguida, ordenar essas práticas em ordem crescente em relação às médias de desempenhos percentuais médios em respostas consideradas adequadas, no universo restrito, nelas apresentadas pelas crianças:

  • práticas de divisão algorítmica (9,1%)
  • práticas de multiplicação algorítmica (16,7%)
  • práticas de escrita numérica no Sistema de Numeração Decimal (16,9%)
  • práticas de medição (20,1%)
  • práticas de proporcionalidade (24,0%)
  • práticas de interdependência funcional (32,4%)

Essa ordem mais uma vez reforça que as práticas conceituais envolvendo matemática nas quais a escola investe com maior frequência, são aquelas que as crianças demonstram maior dificuldade para significar. Isso porque, embora tenhamos incluído na prova práticas de proporcionalidade e interdependência funcional, tais práticas não se manifestaram no material que circulava na rede municipal (cadernos de alunos, livros didáticos, planos de curso, provas, etc.) e que foi tomado como referência para a elaboração da prova.

Essa ordem não pode ser explicada com base no argumento da maior ou menor complexidade dos textos da prova que faziam referência a essas práticas, ou, por decorrência, da maior ou menor dificuldade das crianças na leitura e compreensão de tais textos. De fato, com base no QUADRO N6, os dois itens de menor desempenho percentual médio de respostas consideradas adequadas, nos universos restrito e ampliado, respectivamente – o item C1T5e (9,1% e 6,2%)e o item C1T6d (16,7% e 11,5%)-, foram justamente os que possuíam um comando textual conciso, tipicamente escolar e que podiam ser respondidos adequadamente, independentemente da leitura do enunciado principal do Texto 6:

  • “arme e efetue a divisão de 1000 por 80” (C1T5e).
  • “observe a multiplicação de 78 por 16 realizada de forma possível e correta. Explique por que nessa conta o espaço indicado pela seta verde está sem número” (C1T6d).

Passemos, então, a comentar algumas respostas dadas pelas crianças a essas práticas conceituais envolvendo matemática. Como a prática da divisão algorítmica foi aquela de menor desempenho por parte das crianças, vamos comentar inicialmente algumas respostas adequadas dadas a esse item da prova (C1T5e), explicitando as estratégias, muitas vezes surpreendentes, acionadas por essas crianças. 

Uma dessas respostas adequadas (F4C1T5) aciona corretamente a estratégia da prática da prova real para verificar a correção da operação da divisão algorítmica. Assim, tal criança, além de resolver corretamente a divisão solicitada (1000 : 80), realiza também a multiplicação do quociente obtido (12) pelo divisor (80) e, em seguida, adiciona o resto (4) ao produto anterior, voltando a obter o dividendo (1000), confirmando, assim, a correção da divisão realizada. Isso mostra também, que práticas de verificação da correção de operações aritméticas circulam por escolas da rede municipal de Campinas.

Uma outra resposta também adequada (F5C1T5) e pouco frequente para o item (C1T5e) - o qual deixava em aberto a possibilidade do menor resto possível da divisão de 1000 por 80 ser visto como divisível de modo que o quociente dessa divisão pudesse ser uma quantidade não inteira (no caso, 12,5) -, foi dada por uma criança, a qual, também não se deixou orientar de modo tipicamente escolar para realizar essa divisão. De fato, ela inicialmente arma tipicamente a divisão; em seguida, transgride a regra tipicamente escolar de “cortar zeros finais” dos números representativos do dividendo e do divisor, “cortando” apenas o zero final do divisor, “transformando” 80 em 8; em seguida, ficamos sem saber como ela realiza a multiplicação de 12 por 8, obtendo 96 que, subtraído de 100, resulta em 4. Como sobraram 4 e o zero final do 1000 não havia sido “cortado”, ela “abaixa” esse zero de modo a obter o número 40, o qual é dividido pelo divisor 8, obtendo 5, o qual é escrito posteriormente ao acréscimo de uma vírgula após o 12. Embora não possamos explicar quais teriam sido, de fato, as regras que orientaram essa criança para realizar essa divisão, ela consegue chegar a uma resposta correta.

Já uma terceira criança, que também realiza corretamente essa divisão (F2C1T5), o faz transgredindo a própria solicitação tipicamente escolar – “Arme e efetue” - do comando, dado que ela simplesmente indica a divisão (1000 : 80) deixando aparente que cortou os zeros finais do dividendo e do divisor e que teria seguido corretamente as regras que orientam a realização de uma divisão algorítmica no sistema de numeração decimal.

Uma quarta criança, que também realiza corretamente essa divisão (F9C1T5), sente, para isso, a necessidade de elaborar o seguinte problema que pudesse “contextualizar” ou “dar um sentido” prático para a realização da “divisão pura” solicitada:“Uma escola, comprou 1000 ingresos para os alunos e os professores irem no cinema. A escola pagou 80 reais parcelados. Quanto eles pagaram para assistir o filme?”.

Percebemos que tal problema modela adequadamente a divisão pura cuja realização é solicitada pelo item C1T5e, uma vez que o que essa criança pergunta é: quantas parcelas de 80 reais podem ser subtraídas de 1000 reais. Após a formulação desse problema, essa criança “arma e efetua” corretamente a divisão envolvida, de um modo tipicamente escolar e expressa duplamente (tanto o resultado da “divisão pura” quanto a resposta ao problema que ela formula) o resultado dessa divisão de um modo tipicamente escolar.

Em resposta (F1C1T5a) ao comando textual do item C1T5a que solicita à criança fazer uso verbal da linguagem para escrever por extenso o número de pessoas que moram na região metropolitana de Campinas, ela aciona a estratégia inadequada de somar os números correspondentes à população da cidade de Campinas e à população da região metropolitana de Campinas, informações quantitativas estas indicadas no texto C1T5. Embora a criança realize corretamente a adição, dando, portanto, como resposta ao item o resultado 3.330.000, ela transgride as regras que deveriam ser acionadas para se escrever - com base nas regras do jogo de linguagem da escrita na língua portuguesa - uma quantidade numérica escrita em algarismos, com base nas regras do jogo de linguagem do sistema de numeração decimal. Em outras palavras, essa criança substitui a solicitação que o comando textual lhe dirige – qual seja, a de transpor o regime de normatividade que orienta a leitura de um registro numérico para o regime de normatividade que orienta a escrita desse registro na língua portuguesa – por uma outra solicitação que ela mesma se coloca, qual seja, a de somar duas quantidades com base no regime de normatividade do sistema de numeração decimal. 

Assim, mesmo tendo dado uma resposta inadequada, não se pode dizer que tal criança não saiba fazer USOS NORMATIVOS DA LINGUAGEM em outras situações ou contextos. Isso porque essa substituição de um regime de normatividade por outro ao mesmo tempo em que a levou a dar uma resposta inadequada à solicitação do item, permitiu-lhe dar uma resposta adequada para realizar uma adição.

Desse modo, essa imprevista mudança de um regime de normatividade por outra faz com que essa criança signifique adequadamente uma prática da adição algorítmica no sistema de numeração decimal, mas signifique inadequadamente uma prática de escrita numérica nesse mesmo sistema.

Poderíamos ainda perguntar: por que ela muda de um regime de normatividade para outro? Aqui, entramos no terreno das conjecturas. Uma possível explicação estaria associada aos modos tipicamente escolares de se lidar com práticas conceituais envolvendo matemática e, particularmente, a aritmética escolar. Constitui uma prática de ensino tipicamente escolar dar uma certa orientação às crianças quando se veem diante de um problema envolvendo quantidades numéricas, qual seja, a de necessariamente “fazer algo” com essas quantidades, isto é, relacioná-las com base em alguma operação aritmética básica: adição, subtração, multiplicação ou divisão. Dado que o comando textual solicitava à criança que “fizesse algo” – isto é, escrevê-la de uma outra maneira - com apenas uma das três quantidades presentes no enunciado principal do texto, provavelmente, essa criança se viu compelida a envolver duas dessas quantidades por uma adição. Duas, porque, na escola, a adição com duas parcelas é solicitada com muito mais frequência; adição, porque tal operação não apenas é a primeira que é aprendida na escola, como também porque aparece com mais frequência em exercícios escolares e, com muita frequência, no cotidiano das crianças.

No único item da prova que envolvia uma prática de multiplicação algorítmica - o C1T6d– o desempenho percentual médio das crianças em respostas consideradas adequadas, no universo restrito, foi de apenas 16,7%.

Além disso, esse item não requeria, propriamente, que a criança realizasse uma multiplicação, mas que apenas usasse normativamente a linguagem para explicar por que, na multiplicação de 78 por 16, se deve“pular uma casa” (a indicada pela seta verde no texto) quando multiplicamos 1 dezena por 7 dezenas.

Uma vez mais, o baixíssimo desempenho médio das crianças nesse item não pode ser interpretado como uma incapacidade de fazerem USOS NORMATIVOS DA LINGUAGEM, mas sim de fazerem um uso normativo situado da linguagem para explicar, no algoritmo, o modo adequado de se dispor o resultado da multiplicação de 1 unidade por (7 dezenas + 8 unidades), isto é, para atribuírem significado para “a casa vazia”.

Essa dificuldade poderia estar indicando que, em grande medida, as práticas algorítmicas do cálculo escrito, na rede municipal, ainda continuam sendo mobilizadas de um modo mecânico, descolado das regras do sistema de numeração decimal que orientam normativamente a realização algorítmica das quatro operações aritméticas. Mas poderiam também estar indicando que, mesmo quando mobilizadas, por parte dos professores, com suas orientações normativas adequadas, as crianças apresentariam maior resistência ou mesmo menor interesse em compreender como as regras (no caso, regras do Sistema de Numeração Decimal) do jogo normativo de linguagem de uma multiplicação operam,de modo situado, dando legitimidade a cada movimento nesse jogo, de modo a se atingir o seu objetivo com correção, do que em simplesmente seguir essas regras mecanicamente para se chegar rapidamente ao resultado correto.

Por sua vez, em itens da prova que solicitavam às crianças significar práticas conceituais envolvendo a noção de proporcionalidade - C1T7c; C1T6c; CIT6b; C1T5d -, ou então, a noção de interdependência funcional – C2T1c e C2T1d -, as quais não costumam ser objeto de ensino nos anos iniciais do Ensino Fundamental, os desempenhos percentuais médios das crianças, embora inferiores a 35%, mostraram-se superiores àqueles relativos às operações algorítmicas, conforme indica o QUADRO N8. Vamos comentar algumas das respostas das crianças a alguns desses itens.

O texto C1T7 encena os contextos de gestão pública do lixo e da indústria de reciclagem de papel. O item C1T7c desse texto solicita às crianças para calcularem a quantidade de aparas, em toneladas, que poderão ser recicladas para se preservar certa de 60 árvores adultas.

Para responder a esse item, uma das crianças, com base na informação dada no Texto T7 de que “1 tonelada de aparas pode evitar o corte de até 20 árvores adultas”, realiza uma adição algorítmica de 3 parcelas iguais a 20 e fornece como resposta - F5C1T7c“3 aparas”. Como se percebe, tal resposta, considerada parcialmente adequada pelo fato dessa criança não ter-se dado conta de que “3 aparas” é diferente de “3 toneladas de aparas”, mostra, entretanto, que essa criança significa adequadamente a prática de proporcionalidade, no contexto de atividade da reciclagem de papel. E o faz com base em uma estratégia muito provavelmente aprendida fora da escola, uma vez que a escola, mesmo quando trabalha problemas envolvendo a noção de proporcionalidade, na segunda fase Ensino Fundamental, o faz usando a estratégia de cálculo denominada “regra de três” simples ou composta, a qual não foi o recurso utilizado por essa criança, que resolve o problema de um modo personalizado.

Uma outra criança realiza um raciocínio semelhante, sem, porém, “armar” a adição, mostrando que significou adequadamente a prática da proporcionalidade (F13C1T7c):

1 tonelada 20

2 tonelada 40

3 tonelada 60

 

Outras crianças, em vez de recorrerem a uma estratégia aditiva para se resolver um problema de proporcionalidade, realizam a divisão de 60 por 20 árvores chegandoigualmente à resposta adequada “3 toneladas” (F14C1T7c).

Há outras respostas a esse item consideradas adequadas, mas que, diferentemente da anterior, não apresentam a estratégia de cálculo empregado, como mostra a seguinte resposta dada por uma das crianças– que responde de um modo tipicamente escolar a um problema escolar de aritmética: “Três tonelada de aparas pode evitar o corte de até 60 arvores adultas” (F9C1T7c).

O item C1T6b do Texto C1T6, que também encena o contexto de gestão pública do lixo, solicita às crianças para calcularem a quantidade de lixo, em toneladas, que a cidade de Campinas produz em 1 mês, com base na informação dada no Texto C1T6de que essa cidade produz 850 toneladas de lixo por dia.

Para responder a esse item, uma das crianças - em vez de acionar uma estratégia multiplicativa que poderia conduzir diretamente à resposta 25500 toneladas de lixo –chega a essa mesma resposta através do acionamento exclusivo da seguinte sucessão de adições, como mostra a foto (F18C1T6b): num primeiro passo, soma 4 parcelas iguais a 850 obtendo 3400; depois, soma mais 4 parcelas iguais a 850, obtendo 3400; depois, soma mais 2 parcelas iguais de 850, obtendo 1700; depois, realiza a adição desses 3 resultados obtidos nas adições anteriores, obtendo 8500, que corresponde ao lixo acumulado pela cidade em 10 dias. Em seguida, realiza uma adição de 3 parcelas iguais a 8500, obtendo a resposta correta de 25500 toneladas de lixo. Tal procedimento, embora exaustivo e personalizado, significa adequadamente a prática da proporcionalidade no contexto de gestão do lixo encenado no texto.

O item C1T6c, embora se apresente como um dos comandos textuais do texto C1T6, que encena o contexto de gestão pública do lixo, é, na verdade, um comando típico de aritmética escolar que poderia ser resolvido diretamente, sem que fosse necessário significar esse texto. Tal item solicita às crianças para praticarem a proporcionalidade em um problema de conversão de 2 toneladas e meia de lixo em quilos, com base na informação de que 1 tonelada corresponde a 1000 quilos.

É interessante comentar aqui a seguinte resposta (F7C1T6c) dada por uma das crianças a esse item, por ser ela reveladora de um modo tipicamente escolar de reagir a recomendações curriculares que tentam fazer circular na escola práticas não usuais de cálculo aritmético, no caso, a denominada prática do “cálculo mental”.

De fato, em resposta a esse item, mesmo significando inadequadamente a prática de proporcionalidade ao dividir 2000 por 2, tal criança decide deixar registrado, no espaço destinado à resposta a esse item, que teria, previamente, feito essa divisão através de um “cálculo mental”.  Muito provavelmente, essa indicação constitui uma “resposta” a uma recomendação remota proveniente do contexto escolar, de que sempre que resolvemos um problema devemos deixar registrados os cálculos que utilizamos mentalmente para chegar ao resultado.

Nesse caso, porém, um tal tipo de recomendação “destrói” o próprio objetivo de se estimular a criança a “calcular mentalmente”, qual seja, o de se chegar rapidamente a resultados de operações aritméticas sem uso de “lápis e papel”. De fato, ao deixar registrado – com lápis, no papel – que teria realizado um cálculo mental prévio, e ao escolher inadequadamente o próprio cálculo a ser realizado, isto é, uma divisão em vez de uma multiplicação, essa criança mostra ter dado mais ênfase e valor à recomendação em si mesma do que a preocupar-se em significar adequadamente a prática situada de proporcionalidade.

Vamos, em seguida, considerar algumas respostas dadas pelas criançasaos dois itens da prova – C2T1c e C2T1d - que lhes solicitam significar práticas de interdependência de variáveis no contexto legal do Código Florestal Brasileiro relativo aos tópicos de gestão ambiental e de preservação de cursos d’água.

Com base na tabela do item C2T1c, que apresenta os valores legais correspondentes à variação da grandezalarguras mínimas de matas ciliares(discriminadas com números constantes na tabela) em função de larguras de cursos d’água (expressas por intervalos numéricos), a criançaprecisava, no item C2T1c, determinar a largura mínima da mata, conhecendo-se a largura do curso d’água, ao passo que, no item C2T1d, inversamente, precisava determinar a largura do curso d’água conhecendo-se a largura mínima da mata ciliar.

O desempenho percentual médio das crianças foi levemente superior no item “d”, em relação ao item “c”. Isso talvez se deva ao fato de que a largura do curso d’água (180m) - à qual deveria corresponder a resposta correta a ser dada (largura mínima da mata ciliar de 100m) -não estar explicitamente visível na tabela dada e dever ser procuradaem um conjunto de 5 intervalos numéricos disjuntos. Exemplos de respostas adequadas a esse item foram: F5C2T1d e F15C2T1d.

Por outro lado, a resposta F7C2T1cd, dada por uma mesma criança ao item “c” (100 metros) e ao item “d” (30 metros) mostra que ela provavelmente não se deu conta da natureza reversível da interdependência das variáveis em jogo e que, por essa razão,  deveria consultar a mesma tabela de dois modos diferentes, quais sejam, para responder o item “c”, olhar primeiro para a coluna da esquerda e buscar a resposta correspondente na coluna da direita e proceder de maneira inversa para responder o item “d”. 

Outros tipos mais frequentes de respostas inadequadas ao C2T1d o foram pelo fato de não perceberem que o comando textual desse item admite várias possibilidades de respostas em um intervalo. Contrariamente a isso, como mostra a foto F14C2T1d, a maior parte das respostas das crianças recai sobre o valor correspondente à extremidade superior do intervalo, admitindo ser essa a única resposta correta possível.

Além de nos indicar as práticas emque as crianças apresentaram maior ou menor dificuldade de significar de modos considerados adequados, o QUADRO N6 nos revela também um resultado geral surpreendente das crianças em relação a modos de significar um mesmo tipo de prática cultural. O que ele nos revela a esse respeito é que os índices percentuais de desempenho médio das crianças em relação a modos considerados adequados de significar um mesmo tipo de prática cultural variam expressivamente em função dos diferentes gêneros de USOS NORMATIVOS DA LINGUAGEM solicitados para se produzir significações adequadas a essas práticas.

Inversamente, o QUADRO N7 nos revela que os índices percentuais de desempenho médio das crianças, considerados adequados, em diferentes gêneros de USOS NORMATIVOS DA LINGUAGEM, variam expressivamente em função dos tipos de práticas culturais que tais usos são solicitados a significar.

De fato, o QUADRO N7 nos mostra que esses índices variam, no universo restrito, de 2,3% (item C1T3c) a 62,5% (item C1T2b) e, no universo ampliado, de1,4% (item C1T3c) a 57,2% (item C1T2b).  Além disso, essa discrepância entre os índices percentuais médios máximo e mínimo incidiram sobre um mesmo gênero de uso da linguagem - qual seja, um uso informativo da linguagem, simultaneamente no texto e no comando textual – para significar um mesmo tipo de prática cultural, qual seja, a prática de orientação espacial.

O QUADRO N7 mostra também que os desempenhos percentuais médios das crianças, em respostas consideradas adequadas para significar uma mesma prática, variam expressivamente para todos os quatro gêneros (classificatório, informativo, descritivo e explicativo) de USOS NORMATIVOS DA LINGUAGEM que foram solicitados nos comandos textuais da prova. As médias desses desempenhos percentuais médios, na ordem decrescente para esses quatro gêneros, respectivamente nos universos restrito e ampliado, foram as seguintes:

  • Classificatório - 34,9% e 29,1%
  • Informativo – 28,0% e 22,5%
  • Descritivo -27,3% e 24,0%
  • Explicativo – 14,7% e 10,8%

 

Como se pode perceber, as crianças apresentaram maior dificuldade em significar uma mesma prática cultural quando essa significação deveria ser feita mediante um uso normativo explicativo da linguagem. E é também neste caso em que a variação de desempenhos percentuais médio, máximo e mínimo em itens que requeriam USOS NORMATIVOS DA LINGUAGEM de um mesmo gênero é menos expressiva em relação aos demais gêneros. De fato, com base no QUADRO N7, as variações entre os percentuais de desempenho máximo e mínimo para cada um dos quatro gêneros, respectivamente nos universos restrito e ampliado, foram as seguintes: 

  • Informativo – 60,2% e 55,8%
  • Classificatório – 34.8% e 35,4%
  • Descritivo – 10,8% e 10,0%
  • Explicativo – 7,8% e 7,0%

O QUADRO N7 revela também que os quatro itens da prova que requeriam usos normativos explicativos por parte das crianças eram também itens que requeriam que elas significassem práticas conceituais envolvendo matemática escolar, práticas estas que, como já havíamos dito anteriormente, foram aquelas que apresentaram maior dificuldade de significação por parte das crianças, dentre as demais práticas.

Assim, usos normativos explicativos da linguagem parecem potencializar as dificuldades apresentadas pelas crianças para significarem práticas envolvendo matemática escolar. Isso poderia estar significando que as crianças apresentam menor dificuldade em fazer USOS NORMATIVOS DA LINGUAGEM para seguir ou aplicar diretamente as regras que orientam a realização de práticas conceituais, envolvendo ou não matemática escolar, do que usar normativamente a linguagem para explicar os modos como essas regras operam para se realizar tais práticas com êxito ou correção.

Essa é a diferença que existe entre usar normativamente a linguagem e fazer usos meta-narrativos da linguagem para se referir, de algum modo, a esses usos normativos. Por exemplo, uma coisa seria armar e efetuar uma multiplicação; outra coisa, diferente, seria fazer um uso meta-narrativo da linguagem para explicar ou justificar algum passo desse procedimento.

Embora, como já destacamos anteriormente, as crianças apresentem dificuldades nesses dois tipos de USOS NORMATIVOS DA LINGUAGEM, essas dificuldades se potencializam sempre que tais usos normativos sejam também usos meta-narrativos da linguagem.

Um outro exemplo dessa diferença seria a prática do jogar xadrez. Uma coisa seria aplicar ou seguir adequadamente as regras para se jogar efetivamente uma partida de xadrez, caso em que estaríamos usando normativamente a linguagem diretamente para jogar; outra coisa seria, a uma certa altura do jogo, solicitar a um dos jogadores que nos explicasse quais regras do jogo ele teria acionado – e por quais razões - para efetuar o último lance.